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Associação RUMOS NOVOS - Católicas e Católicos LGBTQ (Portugal)

Somos católic@s LGBTQ que sentiram a necessidade de juntos fazerem comunhão, partilhando o trabalho e as reflexões das Sagradas Escrituras, caminhando em comunidade à descoberta de Deus revelado a tod@s por Jesus Cristo.

31 de Julho, 2010

Padres argentinos saem em defesa do casamento entre pessoas do mesmo sexo

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

Um grupo de padres católicos da Argentina publicou um documento defendendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo… Os doze sacerdotes de Córdoba que integram o Grupo Sacerdotal Enrique Angelelli contrariaram os posicionamentos oficiais da Santa Sé e mostraram-se muito mais tolerantes acerca do projecto de reforma do Código Civil argentino, que vem sendo discutido pelo parlamento do país e que inclui o reconhecimento legal de uniões entre pessoas do mesmo sexo.

 
No texto, os padres usam passagens bíblicas para afirmar que Jesus Cristo nunca condenou a homossexualidade.



Eis o texto do documento:


Contribuição para o debate sobre as alterações à lei do casamento civil


"Deus é amor, quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele." São João.

"Deus é espírito, onde está o Espírito está a liberdade." São Paulo aos Coríntios.

"Não há diferença entre judeu e grego, escravo e livre, homem e mulher, porque todos vós sois um só em Cristo Jesus." São Paulo aos Gálatas.


Diante da possibilidade de uma lei permitindo que pessoas do mesmo sexo se unam em casamento e vivam uma experiência profunda do amor e da sexualidade, entendemos que a sua aprovação, acompanhamento e aprofundamento nos coloca no caminho do Evangelho de Jesus. Um Jesus que revelou o rosto amoroso de Deus. A Igreja oficial e seus pontos de vista nem sempre ou necessariamente coincidem com o Evangelho. Este assunto é um exemplo.


Vejamos:
- Jesus nunca estabeleceu uma doutrina fechada sobre o casamento, simplesmente seguiu os costumes do seu tempo e avançou ao reconhecer e defender de maneira especial as mulheres, num contexto social machista e patriarcal...


- Jesus jamais condenou ou mencionou a homossexualidade, mas sim enfrentou os soberbos, os que acreditavam ser puros, os que tinham o poder opressor, os que escravizavam, os que humilhavam...


- Jesus sempre colocou a lei ao serviço de uma humanização maior, onde o centro seja a pessoa, sobretudo os excluídos, os esquecidos, os últimos...

 
- O termo "homossexual" não aparece na literatura até o final do século XIX. Nos tempos bíblicos não havia uma compreensão do que actualmente entendemos por orientação sexual... mal se poderia condenar a homossexualidade...

- Toda a Revelação bíblica aponta para a prioridade do amor, sem qualquer exclusão, e com predilecção pelos marginalizados, pelos proscritos, pelos párias, pelos negligenciados, pelos acusados...

- Se alguns textos do Antigo Testamento parecem condenar a homossexualidade, na verdade o que rejeitam é a idolatria a que tal prática se ligava, ou, como no caso de Sodoma, a falta de hospitalidade. Em Ezequiel 16,49-50, por exemplo, os pecados de "Sodoma" são a soberba, a gula e não socorrer o pobre e o indigente; ou seja, não tem nada a ver com um "pecado sexual". Além disso, os textos do Antigo Testamento nunca se referem às lésbicas, só falam de varões.


- Se alguns textos das cartas apostólicas incluem a homossexualidade nas suas listas de "pecado", é apenas para se adaptarem aos códigos morais greco-romanos e, neste sentido, recordar o pecado da idolatria que tais costumes significavam, ou condenar as práticas de abuso, prepotência, exploração sexual, sejam estas hetero ou homossexuais, mas de maneira nenhuma expressar uma condenação à homossexualidade enquanto tal...


- Toda a Revelação bíblica, e com mais razão o Novo Testamento, não é um código de moral. Citar textos isoladamente para condenar a homossexualidade é um fundamentalismo anacrónico, incapaz de compreender os textos no seu ambiente histórico específico. É utilizar alguns textos para justificar os seus próprios preconceitos. Fazer da Bíblia um manual de moral sexual seria cair num legalismo judaico criticado por Jesus. A Bíblia é a Revelação de um Deus que nos quer ver livres, alegres e felizes, e por isso nos convida a enfrentar tudo o que oprime, discrimina, rejeitada, expulsa, odeia, segrega e separa.


Entendemos a homossexualidade como uma maneira distinta, diferente e diversa de se viver a sexualidade e o amor; e não como uma raridade e menos ainda como uma doença. Há 37 anos que a homossexualidade já não é considerada um transtorno psiquiátrico e a Organização das Nações Unidas (ONU), através da OMS (Organização Mundial de Saúde),    excluiu-a da classificação de transtorno mental em 17 de Maio de 1990, por considerar, com critérios científicos, que não correspondia a uma patologia, mas que é parte da diversidade do ser humano.


Quem pode negar que pessoas do mesmo sexo não possam viver de maneira adulta, livre e responsável a sua própria sexualidade? Ninguém pode, e menos ainda em nome de Deus, afirmar que só haja uma maneira de se viver a sexualidade e o amor. A natureza, rica em multiplicidade, também nos ensina que a diversidade não lhe faz oposição, mas a embeleza. Citar a “lei natural” para colocar-se contra esta legislação é apenas uma posição fixista, dura e congelada da realidade pretendida como "natural", sem entender os complexos processos culturais.


Entendemos que um legislador pode professar profundamente a sua fé cristã e católica e, ao mesmo tempo, com total liberdade de consciência, pensar, definir e agir diferentemente do que propõe a hierarquia eclesiástica. Na Igreja Católica não há um "pensamento único", há lugar para a diversidade e para a pluralidade. Além do mais, um legislador não legisla para a comunidade católica, legisla para todos os cidadãos. Ninguém deveria ofender-se ou incomodar-se, pelo contrário, deveria ser motivo de alegria que pessoas do mesmo sexo - tradicionalmente ridicularizadas, discriminadas, condenadas, estigmatizadas, amaldiçoadas, vítimas de preconceitos e obrigadas a viver na clandestinidade, ocultando seus sentimentos mais profundos – hoje possam sentir-se livres e amparadas por uma lei da Nação que reconhece o seu direito ao amor e à família, não como uma concessão relutante, mas como um direito inalienável.

 

Grupo Sacerdotal Enrique Angelelli

Pe. Nicolás Alessio

Província de Córdoba

Argentina