Autor de um livro onde conta a sua caminhada espiritual e afectiva, este católico convida os cristãos a deitar um outro olhar à homossexualidade.
Católico e homossexual. A dualidade impossível de viver. Para sair dela e viver finalmente o grande dia, Jean-Michel Dunand escreveu o seu itinerário, na verdade um testemunho, algumas vezes cru, para explicar a sua escolha em assumir, por inteiro, a sua homossexualidade e o seu catolicismo. Após anos em busca de identidade e de reconhecimento, ele passou, de acordo com as suas palavras e o título do seu livro «da vergonha à luz». Animador de pastoral num grande liceu católico de Montpellier, ele fala-nos, com pudor e emoção, a partir do seu pequeno escritório aberto sobre um amplo recreio arborizado.
Desde muito jovem, que sentiu que não era «semelhante aos outros». Como é que descobriu a sua homossexualidade?
Desde muito cedo que fui sensível aos corpos de homens. Tinha seis anos quando, indo com os meus pais à feira de diversões, descobri que a beleza dos corpos masculinos fascinava-me. Não o compreendida e pensava estar sozinho no mundo a experimentar isso. Na minha pequena cidade natal de Albertville, na Sabóia, não tinha nenhum modelo homossexual com o qual me identificar.
Não se escolhe, escreve, ser homossexual, tal como não se escolhe ser heterossexual. Não é, portanto, do domínio da liberdade?
Precisei de tempo para compreender que não tinha escolhido, que não podia mudar. A minha homossexualidade impôs-se-me do mesmo modo que o meu físico. Nunca fui efeminado, apenas refinado no trato, mas quando brincava era normal disfarçar-me de rapariga. Atraído pela vida religiosa, imaginava-me carmelita no seguimento de Teresa [N.T.: alusão a Sta. Teresa d’Ávila, fundadora das carmelitas descalças (1515-1582)]. Pensava: «Se fosses uma mulher, entrarias na ordem». Não afirmo que a homossexualidade é inata, mas que ela se inscreve na singularidade de uma história. Portanto, nos espíritos e nas igrejas, arrasta-se ainda a ideia que se pode mudar, que é uma questão de vontade… Porém, quem desejaria expor-se voluntariamente à diferença?
É com a escola, adolescente, que o olhar dos outros começou a pesar-lhe.
Eu não dizia nada, mas os outros rapazes percebiam-no. Eu não gostava de desporto, dos jogos violentos. Dissimulava permanentemente, com o medo de um dia ser descoberto. Mais tarde, pensei frequentemente que, se nos reconhecemos entre homossexuais, é porque sabemos ler no olhar do outro essa fadiga de ter de perpetuamente esconder quem somos. Depois, houve aquele dia, no quinto ano, no qual, tendo chegado atrasado, tive de passar por todos e aguentar os insultos: «panasca», «maricas»… Vivi a experiência da vergonha, que nos atira vivos para um túmulo.
E depois, esse outro apelo, aquele de uma vida religiosa…
Sim, aos 8 ou 9 anos, fui como que tomado por Cristo. Chorei perante a Paixão de Jesus, lendo uma vida de santo oferecida por um catequista. Mais tarde, aos 14 anos, sozinho na abadia de Tamié, experimentei uma presença de amor, uma paz profunda. Guardei esse encontro secretamente dentro de mim e, ao mesmo tempo, construí uma personagem: aquela do pequeno cristão perfeito, futuro padre que servia a missa, tinha a confiança do pároco e ostentava, bem visível, uma grande cruz de madeira. Era mais fácil ser o aprendiz de santo do que o pequeno homo. Preferia que gozassem comigo pela minha fé em vez de pela minha homossexualidade. Com a religião, construí um muro à minha volta para me proteger do olhar dos outros e, sobretudo, de mim mesmo, dos meus próprios devaneios.
São as páginas mais duras do seu livro. Conta como, aos 14 anos, em Lourdes, aceitou as carícias de um desconhecido. A sexualidade sem amor, diz…
Nesse dia, o chão abriu-se sob os meus pés. Sentia-me sujo, mas descobria também que era atraído. Entre os 18 e os 25 anos, vivi um verdadeiro pesadelo, uma vida dupla. Era o Dr. Jekyll e Mr. Hyde. De um lado, o convento dos carmelitas, nos grupos de oração e evangelização e depois no seminário durante alguns anos, onde me apresentava como um modelo da fé, vestido de branco com uma enorme capa negra, de sandálias nos pés… Do outro, encontrava-me, às escondidas, com homens. Recusava instalar-me numa relação. Dizia-me que era menos grave, que era a minha fragilidade, e que com o auxílio da oração, da confissão… eu iria sair disso. Das raras vezes em que me confessei, falaram-me de «derrapagem». Que me iriam curar através da oração de renúncia. Neste período, somente Cristo não me deixou.
Que gostaria de ouvir neste momento?
Olhando para trás, aos 46 anos, creio que gostaria de ter sido entendido em profundidade. Que me enviem à realidade para não mais fugir, mas descobrir a minha humanidade profunda, a minha afectividade, a minha sexualidade, em vez de enterrar tudo isso sob uma pseudo-espiritualidade. Depois de ter muito escutado, constato que não é raro que os homossexuais comecem as suas relações em locais sombrios. Talvez porque nos interditamos de viver o amor e a ternura à luz do dia
O que é que o ajudou?
Tentaram curar-me, mesmo exorcizar-me, e iam internar-me para fazer uma cura de sono. Estava cada vez pior, pensava no suicídio. Então disse a mim próprio: «Chega!». Foi, então, a amizade que me ajudou, aquela de Patrick, que me abriu um outro caminho. Comecei um trabalho de auxiliar de serviço hospitalar, o que me permitiu retomar uma vida normal, uma visão razoável de mim mesmo e viver a minha homossexualidade de forma mais autêntica. Também encontrei o amor e vivo numa relação estável desde há 20 anos. Enfim, fui acolhido tal como era. Tornei-me animador em pastoral, numa escola católica. Intervenho nela desde há 16 anos graças à confiança que em mim depositou, com pleno conhecimento de causa, um director do estabelecimento.
Que pede hoje à Igreja?
Não reivindico nada, sem ser o direito de viver sem ser amputado duma parte de mim-mesmo. Enquanto católico, quero poder viver a minha fé e o meu caminho de descoberta da sexualidade e a ternura partilhada com uma pessoa do mesmo sexo. Não sou um activista que agita a bandeira da causa gay. Mas também não posso aderir às atitudes segundo as quais a homossexualidade é contra-natura e à margem do plano de Deus. Isso conduz a um impasse. Se reivindico alguma coisa, então é uma mudança e uma humildade de olhar. Com as pessoas «homosensíveis» - prefiro falar assim, pois isso não nos reduz à sexualidade -, encontramo-nos frequentemente perante percursos fracturados. Perante a mulher adúltera no Evangelho, que faz Jesus? Não a questiona, mas desvia os olhares, ao se agachar para escrever no chão; desloca igualmente os acusadores, pois todos se vão quando Ele os remete para o seu próprio pecado. Não encerremos as pessoas nas nossas normas e nos nossos olhares intransigentes.
Criou em 2000, uma ligação com os mosteiros, a Comunidade Betânia, ao serviços das pessoas homosensíveis e transgéneros.
Sim, é uma comunhão contemplativa. Encontramo-nos duas vezes por ano, em retiro num mosteiro. Porém, encontramo-nos diariamente em união de oração através de um pequeno ofício composto por salmos, beatitudes e de uma oração de intercessão. Para além do circulo dos comprometidos, há amigos que oram todas as quintas-feiras em nossa intenção, pais com filhos homossexuais, contemplativos como no carmelo de Mazille, mesmo bispos que se juntam a nós nesta fraternidade espiritual. Creio que a evolução do olhar dos cristãos para com os homossexuais será feita através da oração. A militância mete medo, os monges não! Convidando à oração, apelamos pacificamente ao acolhimento desse olhar de Cristo, que desloca. Não peço à Igreja que reconheça a homossexualidade como faz com a heterossexualidade, mas para olhar para as pessoas e de favorecer locais de encontro e de escuta.
Que mensagem gostaria de deixar aos cristãos?
Antes de arriscar uma palavra, ter tempo para ouvir as pessoas homossexuais. Antes de discutir sobre ideias, conhecer vidas. Foi o poder falar e ser ouvido que, pessoalmente, me salvou. No meu trabalho sou discreto sobre a minha vida pessoal, mas sei que tenho a confiança do meu bispo, do meu director diocesano, do meu director da escola. Sou franco com eles. Foi Freud quem disse: «Quando alguém fala, é dia!». É talvez justamente para que se faça dia que eu escrevi e publiquei este livro («Da Vergonha à Luz»).
Jornalista: Élisabeth Marshall
Tradução: José Leote
Órgão: «La Vie»