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Associação RUMOS NOVOS - Católicas e Católicos LGBTQ (Portugal)

Somos católic@s LGBTQ que sentiram a necessidade de juntos fazerem comunhão, partilhando o trabalho e as reflexões das Sagradas Escrituras, caminhando em comunidade à descoberta de Deus revelado a tod@s por Jesus Cristo.

28 de Janeiro, 2013

Uma Porta Entreaberta...

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

No passado mês de setembro, o Conselho Família e Sociedade da Conferência Episcopal Francesa fez publicar um documento intitulado «Estender o casamento às pessoas do mesmo sexo? Abramos o debate!», que passou despercebido a muita gente, mas que, pela importância que lhe está subjacente, merece a nossa análise e que aqui partilhamos nas suas partes mais importantes.

 

Depois de implicitamente afirmar a posição já sobejamente conhecida da hierarquia católica ao reconhecer que a «abertura do casamento civil (em França, como noutros países, não existe a palavra casamento – para o casamento civil – e matrimónio – para o casamento religioso, como acontece em Portugal) a pessoas do mesmo sexo e a consequente possibilidade destes recorrerem à adoção, é um problema grave, reconhece que a Igreja participará neste debate «que se quer respeitador das pessoas» no sentido de servir o bem comum. Aqui reside a primeira «novidade» do documento um debate «respeitador das pessoas» quando todos sabemos que, normalmente, a hierarquia católica, a começar nas suas mais altas instâncias, tem por hábito falar para os homossexuais e não com eles, em escuta e partilha.

 

Reconhece depois o documento que «a homossexualidade sempre existiu, mas até há relativamente pouco tempo, nunca houve a reivindicação por parte das pessoas homossexuais em dar um quadro jurídico a uma relação destinada a se inscrever no tempo, nem a se verem investidos numa autoridade parental. Pertence ao poder político escutar esta exigência e de lhe proporcionar a resposta mais adequada

 

Para que o debate em torno desta questão se possa realizar de forma salutar, reconhecem os bispos franceses que, por um lado, não se podem qualificar como homofóbicas as reticências e as interrogações colocadas a esta importante reforma do direito e, por outro lado, as pessoas homossexuais não podem, a priori, ser desqualificadas, pois o respeito por «todos os atores do debate implica uma escuta mútua, uma apetência para compreender os argumentos expostos e a procura de uma linguagem comum». Reconhecem ainda que «não se trata de impor um ponto de vista religioso, mas de dar a sua contribuição para este debate.»

 

Uma parte igualmente importante e a reter deste documento é o capítulo denominado «Recusar a homofobia». Demos, novamente, a palavra aos bispos franceses: «Durante muito tempo, as pessoas homossexuais foram condenadas e rejeitadas. Foram objeto de toda a espécie de discriminações e provocações. Atualmente isso não é mais tolerado, o direito proíbe toda a discriminação e todo o incitamento ao ódio, nomeadamente em função da orientação sexual, e devemos saudar essa evolução» e acrescentam «é preciso admitir claramente que a homofobia não desapareceu completamente da nossa sociedade. Para as pessoas homossexuais a descoberta e a aceitação da sua homossexualidade são muitas vezes um processo complexo. Nem sempre é fácil assumir a sua homossexualidade no meio profissional ou familiar. Os preconceitos são difíceis de morrer e as mentalidades mudam lentamente, incluindo nas nossas comunidades e famílias católicas… Pois o que fundamenta, para os cristãos, a nossa identidade e a igualdade das pessoas, é o facto que somos todos filhos e filhas de Deus.»

 

Seguidamente os bispos pretendem compreender a exigência das pessoas homossexuais, começando por afirmar que «as práticas homossexuais evoluíram e a aspiração a viver numa relação afetiva estável encontra-se mais hoje do que há 20 anos atrás» e constatando que «a diversidade das práticas homossexuais não deve impedir de levarmos a sério as aspirações daquelas e daqueles que desejam comprometer-se numa relação estável. O respeito e o reconhecimento de qualquer pessoa assumem agora uma importância primordial na nossa sociedade.»

 

Depois de reconhecerem a existência de diferenças específicas entre o casamento heterossexual e o homossexual, reconhecem que «podemos estimar o desejo de um compromisso na fidelidade de um afeto, de um compromisso sincero, da preocupação com o outro e de uma solidariedade que vai além da redução da relação homossexual como um simples compromisso erótico.»

 

Concluem os bispos franceses, depois de várias ilações «clássicas» sobre casamento, procriação e paternidade, que a igreja «reconhece, para além do aspeto sexual por si só, o valor da solidariedade, do cuidado e da preocupação com o outro que podem surgir numa relação [homossexual] afetiva estável. A Igreja quer-se acolhedora para com as pessoas homossexuais e continuará a sua contribuição na luta contra toda a forma de homofobia e de discriminação», sendo que «uma evolução no direito da família é sempre possível».

 

O tom apaziguador e sobretudo conciliador deste documento é certamente mais uma porta entreaberta, como outros sinais que aqui e acolá vão surgindo, no caminho certo do acolhimento verdadeiro e autêntico das pessoas homossexuais no seio da Igreja Católica. Precisamos todos (hierarquia católica, sacerdotes e fiéis, onde se incluem os homossexuais católicos), cada vez mais de buscar a orientação do Espírito Santo, para respondermos aos imperativos e exigências do Evangelho e da sociedade em que vivemos, de modo a que a Igreja, seja uma autêntica comunidade de fé, onde se proclama Jesus Cristo como Senhor e Salvador, evitando os perigos de modificar a Sua mensagem e de não mudar de métodos.

 

Saibamos todos, a exemplo de Cristo, dar testemunho através do amor, do serviço e do diálogo.

 

José Leote

20 de Janeiro, 2013

CARTA ABERTA À HIERARQUIA DA IGREJA CATÓLICA A RESPEITO DO CUIDADO PASTORAL DAS PESSOAS HOMOSSEXUAIS

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação
Padre

Apesar de ser um documento já com algum tempo, a sua justa atualidade, leva-nos a reproduzi-lo hoje aqui. Trata-se de uma carta aberta subscrita pelo clero de Chicago (Estados Unidos), mas que facilmente seria subscrita por muitos e muitos padres de qualquer um outro país. Aqui fica, então, o documento:

 

Enquanto padres católicos, temos ficado cada vez mais perturbados com o tom e, nalguns casos, o conteúdo dos documentos e afirmações provenientes do Vaticano, conferências episcopais e bispos sobre assuntos categorizados sob o título de «homossexual». Respeitamos a autoridade de ensino da Igreja. Devido a isto, achamos particularmente perturbante o aumento da violência e linguagem abusiva dirigida a qualquer ser humano. Tal linguagem é inapropriada. Isto é ainda mais gritante quando se dirige a membros da comunidade de fiéis. Estas declarações divisionistas e excludentes por parte da Igreja são contrárias à boa prática pastoral.


A viagem da vida na fé é única e sagrada, incluindo a integração pessoal da sexualidade e da espiritualidade. As condenações dirigidas a católicos sinceros que tentam tirar algum sentido da sua viagem são inapropriadas e pastoralmente destrutivas.


Enquanto padres e pastores falamos de modo a deixar claro que os nossos irmãos homossexuais são todos membros da família de Deus, irmãos e irmãs no Senhor Jesus e merecedores da mesma dignidade e respeito devidos a qualquer outro ser humano. O reconhecimento da dignidade inalienável da pessoa humana é o único caminho em direção à justiça e reconciliação. Afirmamos a bondade de todas as pessoas homossexuais. Alicerçamo-nos na declaração dos Bispos americanos «Sempre os Nossos Filhos». Adicionalmente reafirmamos a compreensão da bondade da pessoa humana conforme apresentada ao longo do papado do Papa João Paulo II. Para além disso, queremos claramente afirmar que ministrar para e com os nossos irmãos e irmãs homossexuais é reciprocamente benéfico, como acontece em toda a atividade ministerial. Julgar previamente onde conduzirá a viagem de qualquer crente é inadequado. Caminhar com eles, tal como fazemos com os nossos irmãos e irmãs heterossexuais, é a resposta cristã adequada.


No passado recente, bispos a título individual, conferências episcopais e o Vaticano têm assumido um tom de tal violência e abuso para com estes filhos e filhas da Igreja, que já não podemos continuar em silêncio. Já alguma vez qualquer outro grupo de pessoas dentro do Corpo de Cristo foi tão atacado e violado por uma linguagem espiritual tão malévola? Exemplos do mais recente documento do Vaticano mostram de forma demasiadamente clara a demonização destes filhos de Deus, referindo-se à homossexualidade como um «fenómeno moral e social preocupante», «uma depravação grave», «o alastrar do fenómeno», «aprovação ou legalização do mal», «grave prejuízo para o bem comum», «prejudicial ao correto desenvolvimento da sociedade humana», «intrinsecamente desordenado». Alguém pode considerar convidativa esta linguagem vil e tóxica?


Para muitos homossexuais católicos, esta série de ataques mais recentes forçou-os, sem autorrespeito e amor-próprio, a abandonarem a participação ativa na Igreja e a se questionarem como podem permanecer membros de uma Igreja que sentem ser abusiva. Não é possível ministrar para e com as necessidades dos nossos irmãos e irmãs homossexuais com linguagem deste tom como ponto de partida.


A Igreja Católica torna-se mais católica quando é inclusiva e acolhedora e menos refletora do evangelho de Jesus quando é excludente e rígida. Por este motivo, queremos igualmente afirmar as muitas declarações pastorais e positivas de alguns bispos e conferências episcopais (p. e. «Sempre os Nossos Filhos»).


A teologia da Igreja, inclusive o seu ensinamento moral, encontra-se sempre em diálogo com as experiências de vida mais amplas dos seus membros, que moldam e rearticulam o antigo depósito da fé. Encorajamos uma nova atmosfera de abertura ao diálogo que inclua a experiência vivida por muitos membros católicos. Reconhecemos as bênçãos de muitos homossexuais numa variedade de relacionamentos. Acreditamos que as suas experiências devem ser escutadas com respeito.


Ainda que desconheçamos quais as razões para a linguagem cada vez mais violenta e abusiva, deploramo-la enquanto ministros do evangelho de Jesus Cristo e pedimos que ela pare imediatamente. Para além disso, pedimos que todos aqueles que se encontram em posições oficiais de autoridade de ensino na Igreja se abstenham de mais declarações dirigida AOS membros homossexuais do Corpo de Cristo e que, em vez disso, comecem um diálogo sério COM aqueles mesmos membros do Corpo de Cristo.


Pela nossa parte, comprometemo-nos a tratar com respeito e dignidade, todos os que procuram continuar a sua caminhada de fé connosco, independentemente da sua orientação sexual.


Juntamo-nos aos muitos homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, que procuram justiça, misericórdia e compaixão na e através da Igreja Católica.


Estendemos um convite a todos aqueles que partilham a nossa preocupação para que copiem esta carta, a assinem e a enviem ao seu bispo, conferência episcopal ou ao Vaticano.


Tradução: José Leote (Rumos Novos)

18 de Janeiro, 2013

O Meu Filho Pode Ser Homossexual e Católico?

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

Pode o Jim ser homossexual e Católico? Esta tornou-se para mim a grande pergunta depois de ter ultrapassado o choque e confusão iniciais ao saber que o nosso filho é homossexual. Enquanto a Mary Ellen (a minha mulher e mãe do Jim) entrou na espiral emocional de culpa/ dúvida/ remorso, tipificada em tantas histórias de jornadas de pais, eu logicamente aventurei-me através do campo minado da teologia. É aquilo que fazemos quando somos viciados em teologia (os documentos do Vaticano são leitura de praia) e quase caímos para o lado do pensador nessas escalas de pensador versus sentimentos.

 

«Pai, sou homossexual.» Aquelas palavras do Jim eram impensáveis para mim. Tudo o que consegui dizer foi: «Tens a certeza?» Eu não conhecia ninguém homossexual (pelo menos assim o pensava). Não conhecia nada acerca da homossexualidade. E o meu entendimento vago sobre o ensinamento da igreja era que: a homossexualidade era errada. Ponto final. Tão errada, que nem sequer podíamos falar sobre ela. Tal como a osmose, este silêncio cercando a homossexualidade infiltrou-se na minha consciência e deixou-me com a noção que não havia pecado pior que a homossexualidade. Enquanto pensador, fui forçado a trazer alguma racionalidade a esta crença irracional e aos sentimentos aí presentes, ainda que não reconhecidos. Eu tinha de saber: Pode o Jim ser homossexual e Católico?

 

O meu primeiro passo lógico foi recuar ao dia em que decidi se iria ser homossexual ou heterossexual. Nunca tomei tal decisão, nem tão pouco o Jim, nem ninguém com quem falei acerca deste assunto. Descobri que os documentos da igreja apoiam a natureza não escolhida e fixa da orientação sexual. Os Bispos americanos referem-se a «essas pessoas para as quais a homossexualidade é uma orientação sexual permanente e aparentemente irreversível» (HS, págs. 54-55) e a sua Comissão sobre o Casamento e a Família afirma: «Geralmente, a orientação homossexual é experimentada como inata e não como algo livremente escolhido.» (AOC, pág. 6).

 

Saber que o Jim não tinha escolhido a sua homossexualidade foi um primeiro passo gigante para mim. Porém, questionava-me sobre a razão de o Jim ter esta orientação. Rapidamente coloquei de parte uma teoria do século XIX que dizia que a homossexualidade era causada pelo consumo habitual de chá inglês e da influência perniciosa da ópera italiana! Que pouco informados fomos! Contudo isso é compreensível, considerando que os cientistas somente começaram a estudar este conceito em meados de 1800 e que a igreja Católica somente reconheceu oficialmente a orientação sexual a partir de 1975. «Está bem, isso ajuda», pensei. Porém, tinha a certeza que o meu próximo passo seria em areia movediça! É a homossexualidade um pecado? Surpresa! O Vaticano inequivocamente afirma: «Ao invés, é necessário precisar que a particular inclinação da pessoa homossexual, embora não seja em si mesma um pecado» [Congregação para a Doutrina da Fé, Carta aos Bispos da Igreja Católica Sobre o Atendimento Pastoral das Pessoas Homossexuais (APPH), 1986, n.º 3]. Claro! A homossexualidade não pode ser um pecado, pois não é uma escolha. De facto, o ensinamento da igreja diz que a sexualidade é um dom e «a identidade sexual auxilia na definição das pessoas únicas que somos e um componente da nossa identidade sexual é a orientação sexual.» (AOC, pág. 7).

 

Mas e onde podem conduzir estes sentimentos? E sobre os atos homogenitais? Tal como eu esperava, o Vaticano afirma: «Somente na relação conjugal o uso da faculdade sexual pode ser moralmente reto.» (APPH, n.º 7). E os Bispos americanos afirmam: «A atividade homossexual… enquanto algo distinto da orientação homossexual, é moralmente errada.» Porém, continuam: «Tal como acontece com as pessoas heterossexuais, os homossexuais são chamados a dar testemunho de castidade, evitando, com a graça de Deus, comportamentos que são errados para eles, tal como as relações sexuais fora do casamento são erradas para os heterossexuais.» (Conferência Nacional dos Bispos católicos, Viver em Jesus: Uma Reflexão Pastoral Sobre a Vida Moral, n.º 52).

 

Bem, aquilo que me atingiu, provavelmente por ser heterossexual, é a parte que diz: «tal como as relações sexuais fora do casamento são erradas para os heterossexuais.» Isto diz-me que se Jim tiver relações sexuais fora do casamento, ele viola as normas morais estabelecidas pela igreja, tal como acontece com o meu filho heterossexual, o Andy, se ele tiver relações sexuais fora do casamento; tal como a minha filha casada, Linda, se ela usar métodos artificiais de controlo da natalidade e tal como eu se me masturbar.

 

Está bem, mas depois pensei logicamente: «Uma vez que a igreja restringe o casamento a um homem e uma mulher, não significa isto que o comportamento homogenital é sempre um pecado?» Bem, o Vaticano diz: «podem ter existido no passado, e podem subsistir ainda, circunstâncias tais que reduzem ou até mesmo eliminam a culpa do indivíduo (envolvido em atividade homossexual).» (APPH, n.º 11). Ena! O Vaticano diz que os atos homogenitais não são necessariamente um pecado mortal:

  1. O pensamento, desejo, palavra, ação ou omissão devem estar seriamente errados;
  2. A pessoa tem de saber que está seriamente errada, e
  3. A pessoa tem de consenti-lo plenamente.

E somente Deus conhece o quanto somos realmente conhecedores e livres.

 

Conjuntamente com tudo isto aprendi que a igreja recomenda uma abordagem pastoral. Por exemplo, um teólogo do Vaticano e autor de um destes documentos, numa entrevista a um jornal, afirmou: «Quando lidamos com pessoas de tal forma predominantemente homossexuais que se encontrarão em dificuldades pessoais e talvez sociais a menos que alcancem um relacionamento estável dentro das suas vidas homossexuais, podemos recomendar-lhes que procurem tal relacionamento e aceitamos este relacionamento como o melhor que eles conseguem fazer na sua atual situação.» (Jan Visser, no The Clergy Review (Londres), 1976, v. 61, pág. 233). Mais tarde aprendi que isto se baseia no princípio moral de que ninguém é obrigado a fazer aquilo que é impossível para si fazer. Durante a minha jornada, li que o ensinamento católico afirma que seis textos bíblicos claramente dizem que o comportamento homossexual é imoral. Porém, a minha jornada conduziu-me igualmente a Scroggs, Furnish e muitos outros estudiosos da Bíblia, que convictamente argumentam que a Bíblia não é assim tão clara sobre este assunto.

 

Portanto, neste momento da minha jornada – e foi um processo sinuoso de 14 anos, não a série de passos lógicos que aqui apresento – aprendi que não é pecado o Jim ter uma orientação homossexual e que o Jim pode ser homossexual e um fiel católico, tal como qualquer outro fiel católico que lute contra as normas morais objetivas estabelecidas pela igreja. Os Bispos americanos disseram-no de um modo exemplar: «[As pessoas] homossexuais, tal como toda a gente, não devem sofrer de preconceito contra os seus direitos humanos fundamentais. Têm o direito ao respeito, amizade e justiça. Devem ter um papel ativo na comunidade cristã.» (Conferência Nacional dos Bispos Católicos, Viver em Jesus Cristo: Uma Reflexão Pastoral sobre a Vida Moral, 1976, n.º 52 e Conferência Nacional dos Bispos Católicos, Sexualidade Humana: Uma Perspectiva Católica para a Educação e Aprendizagem ao Longo da Vida, Conferência Católica dos E. U. A., 1991, pág. 55).

 

Ao longo deste processo, aprendi igualmente que um pensador também tem sentimentos! Uma vez que o meu filho é homossexual, sou pessoalmente afetado por este ensinamento e gostaria que alguma coisa nele mudasse. Aprendi que isso também está bem. Porquê? Porque nenhum destes ensinamentos é infalível… o que significa, claro está, que podem mudar. Mas mudarão? A mudança brota de tensões não resolvidas. Aqui ficam três:

  1. A igreja católica afirma que não há mal em ser-se homossexual desde que se seja celibatário, contudo a igreja ensina igualmente que o celibato é um dom. Estarão todos os homossexuais dotados com a capacidade de viverem um estilo de vida celibatário?
  2. O ensinamento da igreja católica considera que a orientação homossexual é um desvio sexual, uma «desordem». A igreja ensina igualmente que não pode existir conflito entre fé e razão. Contudo, a Associação Americana de Psiquiatria e a Associação Americana de Psicologia consideram a orientação homossexual como sendo uma variação sexual natural.
  3. O ensinamento da igreja foi formulado não somente sem a participação de pessoas abertamente homossexuais, como também o ensinamento não tem em consideração as experiências vividas por muitos fiéis homossexuais católicos – pessoas reais – feitos à imagem e semelhança de Deus, que, como todos nós, lutam para fazer aquilo que Deus nos pede que façamos. A mudança no ensinamento da igreja é possível, mas a igreja oficial tende a mover-se de uma forma muito, muito lenta. Portanto, o que é que faço hoje? Bem, isso levou-me a outro ensinamento que surpreende muitos católicos: o primado da consciência. O Catecismo coloca-o de uma forma muito simples: «O ser humano deve obedecer sempre ao juízo certo da sua consciência.» (Catecismo da Igreja Católica, n.º 1790). “Ena!”, pensei, «Isto é bastante claro!» Isto significa que podemos fazer aquilo que nos apetece? O teólogo Charles Curan respondeu a essa questão por mim, de uma forma bastante concisa: Devemos obedecer à nossa consciência, mas a nossa consciência pode estar errada.

Isto conduziu-me ao conceito de discernimento moral na tradição moral católica. A igreja sugere que olhemos para a experiência, razão (incluindo as ciências), tradição (ensinamento da igreja) e escritura. Porquê todas as quatro? Porque cada uma delas, per si, já mostrou poder errar. Consideremos o achatamento da Terra (experiência), a teoria de que os bebés somente vinham do homem (razão), a excomunhão de Galileu (tradição), ou a escravatura (escritura). Porém e se o ensinamento da igreja e a nossa consciência não estiverem de acordo? O próprio ensinamento da igreja diz-nos que devemos partir do pressuposto de que o ensinamento da igreja está certo. Depois, consideramos a escritura, a razão e a nossa experiência e regressamos à questão derradeira: Estamos a responder ao Deus revelado em Jesus Cristo?

 

O Bispo Thomas Gumbleton deu-me um exemplo de como balancear o ensinamento da igreja e a consciência quando afirmou: «Não faço julgamentos sobre a consciência das pessoas homossexuais como não o faço em relação aos militares das bases aéreas do Comando Estratégico Aéreo ou aqueles a bordo de um submarino Tridente que disparariam uma arma nuclear se isso lhes fosse ordenado. Penso que de algumas formas o ensinamento da igreja sobre isso é mais claro do que aquele sobre a homossexualidade… Qualquer pessoa que tenha a intenção de utilizar tais armas encontra-se, a meu ver, numa situação que é drasticamente perniciosa. Contudo, não posso julgar a consciência de outra pessoa. Se essa pessoa se apresentar à comunhão, eu não a posso negar.» (Tom Roberts, Ele não é desordenado, ele é o meu irmão, National Catholic Reporter, 4 de novembro de 1994, pág. 6).

 

Ensinamento da igreja, pecado pessoal, consciência, discernimento. Do ponto de vista intelectual, julgo que o Jim pode certamente ser homossexual e católico. Porém, esta descoberta ainda estava no meu mundo do pensamento teológico e da homossexualidade até ter ouvido o Bispo Kenneth Untener. Falando para uma plateia maioritariamente homossexual, ele disse: «Quando morremos, e como teólogo da moral não o digo de forma leviana, a única coisa que importará é como nos tratámos uns aos outros.» (Bishop Kenneth E. Untener, Marcas da Igreja, pág. 151). Foi quando me apercebi que o derradeiro passo da minha jornada era conhecer e amar muitos fiéis homossexuais católicos que, como o nosso filho, Jim, são feitos à imagem de Deus e são amados por Deus, amam a Deus e amam o seu semelhante como a si próprios. É assim que sei que o Jim pode ser homossexual e Católico.

 

Autoria: Casey Lopata
Tradução: José Leote
(Rumos Novos )

15 de Janeiro, 2013

Carta de uma mãe...

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

Caro Bispo xxxxxx,

 

Sou licenciada pela Universidade de Marquette, de berço Católico, esposa e uma mãe de 71 anos com um filho homossexual… Gostaria que ouvisse a história do meu filho. Antes da tomada de quaisquer decisões sobre uma abordagem pastoral a qualquer grupo, acredito que aqueles que tomam as decisões têm de conhecer a experiência das pessoas às quais estão a oferecer o ministério.

 

Normalmente um filho ou filha homossexual assume-se perante os pais quando já concluiu os seus estudos e se encontra estabelecido na sua atividade laboral, devido ao risco extremo de serem afastados da família. O meu filho assumiu-se ao ser questionado sobre o assunto quando se encontrava no último ano do ensino secundário. Disse que ia sair para meter gasolina e ficou fora toda a noite.

 

Nesse dia, quando ele regressou da escola tive uma conserva com ele. «Filho não podes ficar fora toda a noite e não nos dizeres nada. O teu pai e eu estávamos preocupadíssimos». A sua resposta foi: «Mãe, tive de ir ver alguns amigos». Acabei por descobrir que estes amigos eram homossexuais e que ele tinha ido vê-los porque estava a lutar com a necessidade de compreender a sua orientação sexual. Nunca pensei em não o aceitar devido ao que aconteceu neste ano.

 

O meu filho disse-me, quando andava no 6.º ano, que não faria a Confirmação na Igreja Católica. Na altura não conseguiu partilhar as suas razões para esta decisão. Ele começou à procura de outra igreja, tendo frequentado, durante um ano, um grupo de jovens Batistas, tendo então encontrado uma igreja onde entrou quando se encontrava no 10.º ano. Reparei que o seu comportamento começou a mudar: escolhia roupa que antes nunca usaria, espalhava gravações de música e posters e ficava cantando no quarto durante longos períodos de tempo. O meu marido e eu descobrimos que afinal esta igreja era um culto e tirámo-lo de lá. Depois de saber que ele era homossexual, mesmo assim senti que ainda tinha o meu filho e não um clone submetido a uma lavagem cerebral. Nunca poderia nega-lo ou abandoná-lo. Depois de ficar a saber sobre a sua homossexualidade, tivemos muitas conversas. Disse-lhe que não diria nada ao pai. Teria de ser ele a faze-lo quando se sentisse confortável. Nestas conversas ele acabou por partilhar que se sentia muito feliz por o termos tirado do culto religioso. Perguntei-lhe porquê. Ele partilhou que aquilo que lhe pediam para fazer lhe dava dores de cabeça. «Por que razão não te vieste embora?», perguntei. «Porque sabia que aquele culto era muito conservador e queria arrancar a homossexualidade de mim», foi o que ele me respondeu. Senti-me magoada por tudo aquilo que ele sofreu.

 

No 12.º ano voltou a sofrer mais. Suportou vários meses de abuso verbal. Reparei que ele estava cada vez mais deprimido e perguntei-lhe sobre isso. Ele informou-se da perseguição sexual. Contactámos o responsável pela escola e fomos informados que havia uma tolerância zero no respeitante à perseguição por orientação sexual. O meu filho informou então o diretor-adjunto sobre o problema. O abuso parou mas os outros alunos puseram-no de parte como um pária. Algumas semanas mais tarde ele regressou ao carro após sair da escola e encontrou lixo despejado em cima do capô do carro. Uma nota estava presa debaixo do limpa para brisas, dizendo: «És tão sujo como este lixo.»

 

Durante todo este tempo nunca me senti confortável em pedir apoio na igreja. Daquilo que sabia acerca do modo como a igreja encarava a homossexualidade, sentia que seria posta da parte ou fariam sentir-me culpada por ter um filho homossexual. Voltei-me para os amigos. O meu filho não disse nada ao pai até ao seu primeiro ano na faculdade, quando veio a casa pelo Dia de Ação de Graças. Ele acabou por adoecer devido ao stress emocional relacionado com o assumir-se. Na noite de sexta-feira, desse fim de semana, ele reuniu-nos a todos na sala de estar. A irmã mais velha já sabia, tal como eu. O meu marido e eu estávamos sentados num lado da sala. A irmã e ele estavam do outro lado. Ele simplesmente balbuciou: «Pai, tenho uma coisa para te dizer». O meu marido perguntou: «O que é?» Ele respondeu: «Sou homossexual». O meu marido respondeu: «Eu sei». Fiquei surpreendida, mas o meu marido suspeitava que o nosso filho pudesse ser homossexual. A minha filha disse: «Pai, pareces ter ficado bem com isto. Há alguma coisa que te preocupe sobre isto?». Ele respondeu: «O meu sobrinho morreu com SIDA. Não quero que o mesmo aconteça contigo». Neste momento, tudo aquilo sobre o que nunca havíamos falado estava ultrapassado e a situação da nossa família era muito mais saudável.

 

O meu filho acabou por se licenciar, trabalhou para companhias que tinham contratos de defesa e descobriu que não era o tipo de vida de trabalho que queria fazer. Atualmente, concluiu os estudos necessários para se candidatar à faculdade de medicina. O meu filho está no caminho para contribuir de uma forma madura e compassiva para ajudar a diminuir algum do sofrimento presente no mundo. Jesus disse: «Pelo seu fruto os conhecereis». É minha esperança que os líderes e membros da igreja parassem de julgar os outros e olhassem para aquilo que de bom que os homossexuais fazem na igreja e na sociedade em geral. Neste momento, não acredito que o meu filho alguma vez volte à igreja.

 

Depois de ter tomado conhecimento da orientação sexual do meu filho, propus-me a conhecer e a aprender mais sobre as pessoas que são homossexuais. Muitas das pessoas que conheci foram criadas como Católicas e receberam em troca a mensagem de que não há lugar para elas na igreja. Apesar desta mensagem, alguns permaneceram na igreja. A Eucaristia é a razão pela qual essas pessoas não abandonam a igreja. Negar a Eucaristia a Católicos batizados, somente porque alguém os julgou, é nada cristão.

 

Seguem-se as minhas observações sobre a postura da igreja no ensino da moralidade referente à sexualidade:

 

Neste domínio parece haver, entre alguns membros e líderes da igreja, uma estrutura mental de «absoluta retidão». Aquilo que quero dizer com isto é que estas pessoas sabem que são detentoras da verdade absoluta, possuem mentalidades fechadas e simplesmente não querem ouvir porque sabem que têm razão. Para mim isto é semelhante a uma idolatria, pois todos somos seres humanos limitados que, em conjunto, deveríamos estar à procura da verdade e a deixar espaço a que o Espírito Santo nos iluminasse e esclarecesse. Algumas vezes o Espírito Santo informa através da escuta mútua e dos leigos.

 

Como pode a Conferência Episcopal formular um ensinamento pastoral quando não consultaram o grupo de pessoas que, a partir da sua experiência pessoal, os podem informar? OS PAIS SÃO OS PRIMEIROS MINISTROS DOS SEUS FILHOS HOMOSSEXUAIS E ELES NÃO FORAM CONSULTADOS.

 

A Pastoral alterou a fraseologia ao descrever a pessoa homossexual, de orientação sexual para inclinação sexual. Uma inclinação é algo a que alguém se pode opor. Uma orientação é algo de profundamente enraizado na pessoa. Outro aspeto do uso da palavra inclinação é que este dá uma falsa esperança, aos pais que acabam de tomar contacto com a homossexualidade, de que há uma possibilidade de a orientação sexual dos seus filhos ou filhas ser alterada. Todos os homossexuais que conheci sabem que a sua orientação sexual é uma parte da sua própria constituição e podem-na tanto mudar como o pode um heterossexual tornar-se homossexual.

 

Como mãe de um filho homossexual, parece-me que muitos dos mitos erróneos referentes à homossexualidade presentes na sociedade em geral, também se encontram presentes entre os bispos que formularam a pastoral do ministério para os homossexuais. Alguns destes mitos são:

  • Os homossexuais são mais promíscuos do que os heterossexuais;
  • Os homossexuais não deveriam falar sobre a sua orientação sexual, pois podem converter outros à homossexualidade;
  • Os homossexuais podem ser predadores sexuais de jovens ou então podem ser pedófilos.

Enquanto bispo emérito V. Eminência ocupa um lugar único. Ninguém lhe pode tirar a diocese. O senhor é como o avô ou a avó experiente e sábio nas famílias que pode oferecer a sua sabedoria. Devido ao seu interesse profundo em temas de justiça social, exorto-o a analisar os direitos dos Católicos homossexuais enquanto tema de justiça social. Eles têm o direito de ser abertos sobre quem são, a receberem o ministério da igreja enquanto Católicos batizados e a serem ministros na igreja. Esperaria que V. Eminência tivesse a coragem de ser uma voz profética de justiça em prol da nossa comunidade junto dos seus irmãos bispos.

Obrigado por ler estas linhas.

 

Sinceramente,

Doris M. Hand

Fullerton, CA

 

Tradução: José Leote

(Rumos Novos)

09 de Janeiro, 2013

Católicos pelo Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

Cada vez mais países legalizam o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Isto acontece porque muitas pessoas hoje acreditam que este casamento é legítimo e deve ser reconhecido pelo Estado. Entre elas, o presidente norte-americano reeleito Barack Obama. Todos os cidadãos são iguais em dignidade e direitos e por isso as uniões entre homossexuais devem ter o mesmo reconhecimento das uniões entre heterossexuais, com os mesmos direitos e deveres. Não há concorrência entre estas formas de união, visto que se destinam a pessoas diferentes e nem constituem uma ameaça à família ou à sociedade.

 

Muitos cristãos também acreditam nisso. Sabem que Deus é amor e compreensão e que Ele quer a felicidade dos seus filhos. Surge então uma questão aos fiéis católicos: como lidar com a oposição da alta hierarquia da Igreja ao reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo, considerado por ela uma ameaça à família tradicional e nociva a um correto progresso da sociedade?

 

O Concílio do Vaticano II, iniciado há mais de 50 anos, afirma que as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e das mulheres de hoje, sobretudo dos pobres e dos que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração (GS 1). É hora de olhar para a realidade humana de tantas pessoas homossexuais. Há uma história milenar de homofobia, com diversas formas de brutalidade física, hostilidade verbal e exclusão. Não se pode ignorar o anseio da população LGBT pela segurança, liberdade e igualdade. Opor-se ao casamento entre pessoas do mesmo sexo é acrescentar mais uma discriminação nesta longa história de exclusões e hostilidades.

O teólogo Karl Rahner refletiu sobre o conceito de ‘cristão adulto’, que pode contribuir bastante nesta questão. No início do século XX, o magistério da Igreja combatia a teoria da evolução. Ensinava que os primeiros capítulos da Bíblia, contendo a narração da criação do homem, deveriam ser entendidos de maneira literal. Se nessa época um paleontólogo estivesse plenamente convencido do vínculo entre o ser humano e o mundo animal, como deveria proceder? Neste caso, tal cientista não deveria rejeitar toda a fé da Igreja e nem toda a sua doutrina, mas discernir entre o que é fundamental e o que não é. Ele deve saber quais são as convicções realmente centrais e existencialmente significativas da sua fé, para nelas se aprofundar sempre mais; e progressivamente deixar de considerar o que se mostra irremediavelmente inaceitável.

 

Não se deve nunca colocar as coisas em termos de tudo ou nada. O próprio Concílio do Vaticano II diz que há uma ‘hierarquia de verdades’, isto é, uma ordem de importância dos ensinamentos da Igreja segundo o seu nexo com o fundamento da fé cristã (UR 11). Há ensinamentos de mais relevância, com um nexo maior; e outros de menos relevância, com um nexo menor. Isto contribui para o discernimento. O cristão adulto, diz Rahner, é um fiel que vive conflitos semelhantes ao daquele paleontólogo. Ele precisa tomar decisões em assuntos importantes, colocando-se diante de Deus e da sua consciência e enfrentar as consequências, sem ter necessariamente o desejado apoio da Igreja.

 

Os cristãos solidários com a população LGBT e seus direitos devem ser encorajados a viver esta fé inclusiva, tão necessária ao nosso tempo, mesmo que eles não tenham o devido apoio das suas igrejas. Isto é ser cristão adulto. Eles não estão sós, pois amam e conhecem a Deus que é amor.

 

 

Artigo original: Diversidade Católica

Adaptação: José Leote (Rumos Novos)