Pode o Jim ser homossexual e Católico? Esta tornou-se para mim a grande pergunta depois de ter ultrapassado o choque e confusão iniciais ao saber que o nosso filho é homossexual. Enquanto a Mary Ellen (a minha mulher e mãe do Jim) entrou na espiral emocional de culpa/ dúvida/ remorso, tipificada em tantas histórias de jornadas de pais, eu logicamente aventurei-me através do campo minado da teologia. É aquilo que fazemos quando somos viciados em teologia (os documentos do Vaticano são leitura de praia) e quase caímos para o lado do pensador nessas escalas de pensador versus sentimentos.
«Pai, sou homossexual.» Aquelas palavras do Jim eram impensáveis para mim. Tudo o que consegui dizer foi: «Tens a certeza?» Eu não conhecia ninguém homossexual (pelo menos assim o pensava). Não conhecia nada acerca da homossexualidade. E o meu entendimento vago sobre o ensinamento da igreja era que: a homossexualidade era errada. Ponto final. Tão errada, que nem sequer podíamos falar sobre ela. Tal como a osmose, este silêncio cercando a homossexualidade infiltrou-se na minha consciência e deixou-me com a noção que não havia pecado pior que a homossexualidade. Enquanto pensador, fui forçado a trazer alguma racionalidade a esta crença irracional e aos sentimentos aí presentes, ainda que não reconhecidos. Eu tinha de saber: Pode o Jim ser homossexual e Católico?
O meu primeiro passo lógico foi recuar ao dia em que decidi se iria ser homossexual ou heterossexual. Nunca tomei tal decisão, nem tão pouco o Jim, nem ninguém com quem falei acerca deste assunto. Descobri que os documentos da igreja apoiam a natureza não escolhida e fixa da orientação sexual. Os Bispos americanos referem-se a «essas pessoas para as quais a homossexualidade é uma orientação sexual permanente e aparentemente irreversível» (HS, págs. 54-55) e a sua Comissão sobre o Casamento e a Família afirma: «Geralmente, a orientação homossexual é experimentada como inata e não como algo livremente escolhido.» (AOC, pág. 6).
Saber que o Jim não tinha escolhido a sua homossexualidade foi um primeiro passo gigante para mim. Porém, questionava-me sobre a razão de o Jim ter esta orientação. Rapidamente coloquei de parte uma teoria do século XIX que dizia que a homossexualidade era causada pelo consumo habitual de chá inglês e da influência perniciosa da ópera italiana! Que pouco informados fomos! Contudo isso é compreensível, considerando que os cientistas somente começaram a estudar este conceito em meados de 1800 e que a igreja Católica somente reconheceu oficialmente a orientação sexual a partir de 1975. «Está bem, isso ajuda», pensei. Porém, tinha a certeza que o meu próximo passo seria em areia movediça! É a homossexualidade um pecado? Surpresa! O Vaticano inequivocamente afirma: «Ao invés, é necessário precisar que a particular inclinação da pessoa homossexual, embora não seja em si mesma um pecado» [Congregação para a Doutrina da Fé, Carta aos Bispos da Igreja Católica Sobre o Atendimento Pastoral das Pessoas Homossexuais (APPH), 1986, n.º 3]. Claro! A homossexualidade não pode ser um pecado, pois não é uma escolha. De facto, o ensinamento da igreja diz que a sexualidade é um dom e «a identidade sexual auxilia na definição das pessoas únicas que somos e um componente da nossa identidade sexual é a orientação sexual.» (AOC, pág. 7).
Mas e onde podem conduzir estes sentimentos? E sobre os atos homogenitais? Tal como eu esperava, o Vaticano afirma: «Somente na relação conjugal o uso da faculdade sexual pode ser moralmente reto.» (APPH, n.º 7). E os Bispos americanos afirmam: «A atividade homossexual… enquanto algo distinto da orientação homossexual, é moralmente errada.» Porém, continuam: «Tal como acontece com as pessoas heterossexuais, os homossexuais são chamados a dar testemunho de castidade, evitando, com a graça de Deus, comportamentos que são errados para eles, tal como as relações sexuais fora do casamento são erradas para os heterossexuais.» (Conferência Nacional dos Bispos católicos, Viver em Jesus: Uma Reflexão Pastoral Sobre a Vida Moral, n.º 52).
Bem, aquilo que me atingiu, provavelmente por ser heterossexual, é a parte que diz: «tal como as relações sexuais fora do casamento são erradas para os heterossexuais.» Isto diz-me que se Jim tiver relações sexuais fora do casamento, ele viola as normas morais estabelecidas pela igreja, tal como acontece com o meu filho heterossexual, o Andy, se ele tiver relações sexuais fora do casamento; tal como a minha filha casada, Linda, se ela usar métodos artificiais de controlo da natalidade e tal como eu se me masturbar.
Está bem, mas depois pensei logicamente: «Uma vez que a igreja restringe o casamento a um homem e uma mulher, não significa isto que o comportamento homogenital é sempre um pecado?» Bem, o Vaticano diz: «podem ter existido no passado, e podem subsistir ainda, circunstâncias tais que reduzem ou até mesmo eliminam a culpa do indivíduo (envolvido em atividade homossexual).» (APPH, n.º 11). Ena! O Vaticano diz que os atos homogenitais não são necessariamente um pecado mortal:
- O pensamento, desejo, palavra, ação ou omissão devem estar seriamente errados;
- A pessoa tem de saber que está seriamente errada, e
- A pessoa tem de consenti-lo plenamente.
E somente Deus conhece o quanto somos realmente conhecedores e livres.
Conjuntamente com tudo isto aprendi que a igreja recomenda uma abordagem pastoral. Por exemplo, um teólogo do Vaticano e autor de um destes documentos, numa entrevista a um jornal, afirmou: «Quando lidamos com pessoas de tal forma predominantemente homossexuais que se encontrarão em dificuldades pessoais e talvez sociais a menos que alcancem um relacionamento estável dentro das suas vidas homossexuais, podemos recomendar-lhes que procurem tal relacionamento e aceitamos este relacionamento como o melhor que eles conseguem fazer na sua atual situação.» (Jan Visser, no The Clergy Review (Londres), 1976, v. 61, pág. 233). Mais tarde aprendi que isto se baseia no princípio moral de que ninguém é obrigado a fazer aquilo que é impossível para si fazer. Durante a minha jornada, li que o ensinamento católico afirma que seis textos bíblicos claramente dizem que o comportamento homossexual é imoral. Porém, a minha jornada conduziu-me igualmente a Scroggs, Furnish e muitos outros estudiosos da Bíblia, que convictamente argumentam que a Bíblia não é assim tão clara sobre este assunto.
Portanto, neste momento da minha jornada – e foi um processo sinuoso de 14 anos, não a série de passos lógicos que aqui apresento – aprendi que não é pecado o Jim ter uma orientação homossexual e que o Jim pode ser homossexual e um fiel católico, tal como qualquer outro fiel católico que lute contra as normas morais objetivas estabelecidas pela igreja. Os Bispos americanos disseram-no de um modo exemplar: «[As pessoas] homossexuais, tal como toda a gente, não devem sofrer de preconceito contra os seus direitos humanos fundamentais. Têm o direito ao respeito, amizade e justiça. Devem ter um papel ativo na comunidade cristã.» (Conferência Nacional dos Bispos Católicos, Viver em Jesus Cristo: Uma Reflexão Pastoral sobre a Vida Moral, 1976, n.º 52 e Conferência Nacional dos Bispos Católicos, Sexualidade Humana: Uma Perspectiva Católica para a Educação e Aprendizagem ao Longo da Vida, Conferência Católica dos E. U. A., 1991, pág. 55).
Ao longo deste processo, aprendi igualmente que um pensador também tem sentimentos! Uma vez que o meu filho é homossexual, sou pessoalmente afetado por este ensinamento e gostaria que alguma coisa nele mudasse. Aprendi que isso também está bem. Porquê? Porque nenhum destes ensinamentos é infalível… o que significa, claro está, que podem mudar. Mas mudarão? A mudança brota de tensões não resolvidas. Aqui ficam três:
- A igreja católica afirma que não há mal em ser-se homossexual desde que se seja celibatário, contudo a igreja ensina igualmente que o celibato é um dom. Estarão todos os homossexuais dotados com a capacidade de viverem um estilo de vida celibatário?
- O ensinamento da igreja católica considera que a orientação homossexual é um desvio sexual, uma «desordem». A igreja ensina igualmente que não pode existir conflito entre fé e razão. Contudo, a Associação Americana de Psiquiatria e a Associação Americana de Psicologia consideram a orientação homossexual como sendo uma variação sexual natural.
- O ensinamento da igreja foi formulado não somente sem a participação de pessoas abertamente homossexuais, como também o ensinamento não tem em consideração as experiências vividas por muitos fiéis homossexuais católicos – pessoas reais – feitos à imagem e semelhança de Deus, que, como todos nós, lutam para fazer aquilo que Deus nos pede que façamos. A mudança no ensinamento da igreja é possível, mas a igreja oficial tende a mover-se de uma forma muito, muito lenta. Portanto, o que é que faço hoje? Bem, isso levou-me a outro ensinamento que surpreende muitos católicos: o primado da consciência. O Catecismo coloca-o de uma forma muito simples: «O ser humano deve obedecer sempre ao juízo certo da sua consciência.» (Catecismo da Igreja Católica, n.º 1790). “Ena!”, pensei, «Isto é bastante claro!» Isto significa que podemos fazer aquilo que nos apetece? O teólogo Charles Curan respondeu a essa questão por mim, de uma forma bastante concisa: Devemos obedecer à nossa consciência, mas a nossa consciência pode estar errada.
Isto conduziu-me ao conceito de discernimento moral na tradição moral católica. A igreja sugere que olhemos para a experiência, razão (incluindo as ciências), tradição (ensinamento da igreja) e escritura. Porquê todas as quatro? Porque cada uma delas, per si, já mostrou poder errar. Consideremos o achatamento da Terra (experiência), a teoria de que os bebés somente vinham do homem (razão), a excomunhão de Galileu (tradição), ou a escravatura (escritura). Porém e se o ensinamento da igreja e a nossa consciência não estiverem de acordo? O próprio ensinamento da igreja diz-nos que devemos partir do pressuposto de que o ensinamento da igreja está certo. Depois, consideramos a escritura, a razão e a nossa experiência e regressamos à questão derradeira: Estamos a responder ao Deus revelado em Jesus Cristo?
O Bispo Thomas Gumbleton deu-me um exemplo de como balancear o ensinamento da igreja e a consciência quando afirmou: «Não faço julgamentos sobre a consciência das pessoas homossexuais como não o faço em relação aos militares das bases aéreas do Comando Estratégico Aéreo ou aqueles a bordo de um submarino Tridente que disparariam uma arma nuclear se isso lhes fosse ordenado. Penso que de algumas formas o ensinamento da igreja sobre isso é mais claro do que aquele sobre a homossexualidade… Qualquer pessoa que tenha a intenção de utilizar tais armas encontra-se, a meu ver, numa situação que é drasticamente perniciosa. Contudo, não posso julgar a consciência de outra pessoa. Se essa pessoa se apresentar à comunhão, eu não a posso negar.» (Tom Roberts, Ele não é desordenado, ele é o meu irmão, National Catholic Reporter, 4 de novembro de 1994, pág. 6).
Ensinamento da igreja, pecado pessoal, consciência, discernimento. Do ponto de vista intelectual, julgo que o Jim pode certamente ser homossexual e católico. Porém, esta descoberta ainda estava no meu mundo do pensamento teológico e da homossexualidade até ter ouvido o Bispo Kenneth Untener. Falando para uma plateia maioritariamente homossexual, ele disse: «Quando morremos, e como teólogo da moral não o digo de forma leviana, a única coisa que importará é como nos tratámos uns aos outros.» (Bishop Kenneth E. Untener, Marcas da Igreja, pág. 151). Foi quando me apercebi que o derradeiro passo da minha jornada era conhecer e amar muitos fiéis homossexuais católicos que, como o nosso filho, Jim, são feitos à imagem de Deus e são amados por Deus, amam a Deus e amam o seu semelhante como a si próprios. É assim que sei que o Jim pode ser homossexual e Católico.
Autoria: Casey Lopata
Tradução: José Leote
(Rumos Novos )