A luta pelos direitos dos afro-americanos, simbolizada pela sangrenta marcha de Selma em 1965, é tão antiga quanto a nação [N. T.: Estados Unidos]. O esforço pelos direitos das mulheres começou em Seneca Falls, Nova Iorque, há mais de 150 anos.
A luta moderna pelos direitos dos homossexuais, em comparação, mal chega a meio século de idade, datando dos distúrbios de Stonewall, em Nova Iorque. Mas, nesta semana, quando o Supremo Tribunal ouve dois casos importantes sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a velocidade e o alcance do movimento está surpreendendo os seus apoiantes.
"Nós, o povo, declaramos hoje que a mais evidente das verdades – a de que todos nós somos criados iguais – é a estrela que ainda nos guia, assim como guiou os nossos antepassados através de Seneca Falls, Selma e Stonewall", disse o presidente Barack Obama no seu discurso de posse em janeiro, num momento histórico para homossexuais e lésbicas, incluídos, pela primeira vez, num discurso deste tipo. "A nossa jornada não estará completa até que os nossos irmãos e irmãs homossexuais sejam tratados perante a lei como qualquer pessoa."
As mudanças foram tão rápidas que às vezes é surpreendente lembrar que homossexuais e lésbicas até recentemente tinham medo de se assumir e de quantos obstáculos têm existido ao longo do caminho. "Todos nós estávamos escondidos", disse o ex-deputado Barney Frank, democrata do Massachusetts, que em 1987 se tornou o primeiro membro do Congresso a revelar voluntariamente a sua homossexualidade. Na época, a reprovação pública à homossexualidade – tão poderosa que homossexuais e lésbicas hesitavam em se identificar, quanto mais procurar mudanças políticas – ajudava a conter a ascensão do movimento.
"Era uma população tímida e temerosa demais até mesmo para erguer a sua mão, um grupo de pessoas que teve que começar do zero para criar o seu lugar na cultura da nação", escreveram Dudley Clendinen e Adam Nagourney em "Out for Good", a sua história datada de 2001 sobre o movimento dos direitos dos homossexuais.
No último século na política americana as fontes dessas reticências não eram um mistério. Os ensinamentos judaico-cristãos, interpretados como condenando a homossexualidade, forneciam o pano de fundo para o debate político numa nação mais religiosa do que as outras no mundo industrializado. Nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, a Associação Psiquiátrica Americana deu a sua chancela médica e científica às visões que rotulavam a homossexualidade como uma desordem mental.
Mas as mudanças culturais ocorridas nos anos 60 começaram a minar essas barreiras. Em resposta aos primeiros movimentos em grandes cidades como Nova Iorque, Los Angeles e San Francisco, George McGovern tornou-se o primeiro candidato à presidência a se identificar com o movimento ao permitir oradores assumidamente homossexuais na Convenção Nacional Democrata de 1972.
Quatro anos depois, Jimmy Carter, um batista do sul da Geórgia, opôs-se à discriminação contra homossexuais e lésbicas ao mesmo tempo em que mobilizava o apoio dos cristãos evangélicos. Durante a sua presidência, a coordenadora de Carter, Midge Costanza, realizou a primeira reunião formal com ativistas homossexuais na Casa Branca.
Mas Carter perdeu as eleições em 1980 a favor de um Partido Republicano em ascensão que, sob o presidente Ronald Reagan, uniu conservadorismo económico e social.
Antes de chegar à Casa Branca, Reagan ajudou os ativistas homossexuais a derrotar uma iniciativa que seria votada na Califórnia proibindo homossexuais e lésbicas de lecionarem nas escolas públicas. Mas, durante a sua presidência, Reagan manteve distância. A legislação estendendo proteções de direitos civis a homossexuais e lésbicas, introduzida pelos democratas liberais em 1974, continuou parada no Congresso.
Entretanto, o aparecimento da SIDA nos anos 80 deu nova energia e urgência ao movimento. A epidemia levou muitos homossexuais e lésbicas a assumirem publicamente a sua orientação sexual e aumentou a pressão sobre as autoridades eleitas, que de repente se viram diante de votações sobre o uso do dinheiro do contribuinte em resposta à crise de saúde pública.
Os legisladores alinhados com os ativistas homossexuais começaram a formar alianças no Capitólio que antes eram impossíveis em temas abstratos como os direitos dos homossexuais.
"Quando era puramente simbólico, eu não conseguia encontrá-los", lembrou Frank sobre tentar reunir apoiantes aos direitos dos homossexuais. "Mas quando as vidas das pessoas estavam em risco, eu passei a ouvir: 'Certo, eu julgo que terei que votar com você'."
Bill Clinton, o primeiro presidente da geração pós-Segunda Guerra Mundial, colocou o movimento ainda mais em proeminência. Ele participou num evento para recolha de fundos patrocinado por homossexuais, destacou a SIDA na sua convenção em 1992 e prometeu uma ordem executiva proibindo a discriminação contra homossexuais e lésbicas nas forças armadas.
"Ele nos trouxe para dentro do Partido Democrata", disse David Mixner, um velho amigo de Clinton da oposição à Guerra do Vietname, que se tornou seu conselheiro e embaixador para o movimento dos direitos dos homossexuais.
Mas as vitórias permaneceram intermitentes. Os democratas sofreram uma dura derrota nas eleições de 1994, obrigando Clinton a adotar um tom mais conservador.
Em 1996, ele enfureceu os seus eleitores homossexuais ao sancionar a Lei de Defesa do Casamento, cuja constitucionalidade está a ser discutida nesta semana num dos casos de casamento de mesmo sexo que estão sendo ouvidos no Supremo Tribunal. A lei limitou a definição de casamento a uniões entre um homem e uma mulher.
A posição de Clinton acompanhava a opinião pública americana, que continuava distinguindo os direitos dos homossexuais de outras causas de direitos civis. Numa pesquisa Gallup de 1996, 68% dos entrevistados eram contrários ao reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A resistência da população ofuscou avanços mais discretos noutras partes. Os sindicatos trabalhistas há muito eram os "aliados mais fortes" do movimento na busca por proteções aos trabalhadores homossexuais, disse Gregory King, um representante da Federação Americana dos Funcionários Estaduais e Municipais. E, à medida que um número cada vez maior de funcionários homossexuais assumia a sua sexualidade, as grandes empresas passaram a estender os programas de benefícios para cobrir os casais de mesmo sexo.
"O setor privado sempre esteve à frente dos políticos", disse Hillary Rosen, uma lobista de Washington ativa nas causas dos direitos dos homossexuais. Assim como a cultura popular, particularmente a TV, que nos últimos anos tem apresentado várias figuras homossexuais de modo positivo.
Esses desdobramentos – e a ascensão de uma geração de eleitores mais jovens, socialmente tolerantes, que não consideram o casamento de mesmo sexo controverso – provocaram uma mudança na opinião pública.
Em novembro de 2012, o Gallup apontou que 53% dos entrevistados apoiavam o reconhecimento legal do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Uma pesquisa na semana passada mostrou que 54% apoiam benefícios para funcionários públicos federais casados com parceiros do mesmo sexo.
Essas atitudes produziram um ajuste político que altera o debate, independentemente do que o Supremo Tribunal decida a respeito dos direitos do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A ex-secretária de Estado Hillary Rodham Clinton fez recentemente – 17 anos após o seu marido ter apoiado a Lei de Defesa do Casamento – um vídeo apoiando o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Nenhum outro candidato democrata potencial à presidência em 2016 apresentou uma posição contrária ou deverá fazê-lo. O senador Rob Portman de Ohio, potencial candidato presidencial republicano, anunciou que apoiaria o casamento entre pessoas do mesmo sexo, após descobrir que o seu filho mais velho é homossexual.
O ritmo das mudanças continua surpreendendo os defensores do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Frank disse que, na sua juventude, percebeu que se sentia pessoalmente atraído por homens e profissionalmente pelo governo. Ele presumiu que o primeiro impediria o segundo. "Nesta altura", concluiu, "acho que minha atração sexual por homens é politicamente mais aceitável do que minha atração pelo governo".
Autor: JOHN HARWOOD
Tradução: José Leote
Artigo original [New York Times]: aqui.