HOMOSSEXUAIS E CATÓLICOS: Eles querem levantar o tabú
Como conciliar a fé e o amor para com uma pessoa do mesmo sexo? E que diz atualmente a Igreja católica sobre a homossexualidade? Sem provocações, sem reivindicações mas somente a oportunidade para os cristãos abrirem os olhos sobre uma realidade, vidas, pessoas a acolher, a acompanhar e a escutar.
«Na faculdade, no nosso meio profissional, já não sentimos necessidade de esconder quem somos. Mas, na Igreja temos de manter um perfil baixo». Luís, 28 anos, tem o sentimento de não poder ser um cristão como os outros. Aspira a juntar-se a um grupo de leitura bíblica, ou de releitura de vida, como tantos dos seus amigos. «Mas como poderia eu participar ativamente se sinto que não posso invocar a minha espiritualidade, ancorando-a na dimensão relacional e afetiva da minha vida?»
Cristãos e homossexuais, o assunto permanece verdadeiramente tabu na Igreja católica. Falta de conhecimento duma realidade frequentemente identificada como uma cultura «gay» que se manifesta e exige, misturada com a pedofilia – que pode ser alimentada aos mais altos níveis da Igreja católica ainda recentemente -, as resistências são múltiplas. Como se os cristãos tivessem sempre dificuldade em reconhecer que a homossexualidade lhes toca tanto como ao resto da sociedade. Dominique recorda-se dolorosamente do escândalo que provocou quando consagrou um dossier a este tema na revista diocesana, impulsionada pelo vigário geral. «A homossexualidade e a Igreja são dois mundos que se ignoram e entre os quais tentamos construir pontes», reconhece Jean-Michel Dunand, fundador da Comunidade Contemplativa Betânia que se dedica, pela oração, «ao serviço das pessoas homossexuais». Na instituição, nenhuma comissão, nenhum grupo, nem no Vaticano, nem nas conferências episcopais, trabalham a questão. Uma vida desastrosa, segundo Philippe Ariño, autor de três obras sobre a cultura gay. «A Igreja tem o dever de investir neste universo e de compreender os seus códigos de modo a ser capaz de propor corretamente a sua mensagem», lança este católico comprometido de 31 anos.
É o teólogo moralista Xavier Thévenot que, nos anos 80 do século passado, revolucionou o olhar da Igreja, propondo as bases teológicas e pastorais do acolhimento aos homossexuais. Desde então o dossier nunca foi verdadeiramente reaberto.
Em França, a teóloga dominicana Véronique Magron profere regularmente conferências com um certo «sentimento de solidão». «Quase acreditaríamos que a Igreja pensa já ter feito muito sobre o assunto. Ora acontece que tudo ainda não foi dito, sublinha ela. Se, por exemplo, é para nós essencial, sob o plano teológico, pensar um casal estruturalmente aberto à fecundidade e à vida, isso não impede reconhecer que os casais homossexuais podem ter uma vida ética muito profunda. Por causa disto, temos ainda caminho a percorrer e a reflexão antropológica não se pode fechar». De facto, a questão do casal permanece delicada, mesmo se o magistério reconhece que este é preferível à libertinagem. Os pastores evocam o seu desejo de não escandalizar os outros paroquianos. Julien tentou integrar o grupo de reflexão da sua paróquia para jovens casais, mas foi dissuadido. «Para se construir de forma cristã sendo homossexual, tudo é inventado, sentimo-nos muito sós», deplora ele.
Na prática, o acolhimento às pessoas homossexuais na Igreja católica vive-se essencialmente na discrição dum acompanhamento pessoal. Com a finalidade de participar de forma coletiva articulada, alguns voltam-se para as associações de homossexuais católicos. Foi o que fez o Luís, um pouco a contragosto, sentindo-se enviado para um comunitarismo no qual, a priori, não se reconhecia. «Eu somente queria ser visto como um Filho de Deus. Porém, não há qualquer razão para ocultar a minha homossexualidade!» As paróquias nas quais estão implantadas estas associações, como Saint-Merri, em Paris, testemunham de facto a sua abertura. As ordens contemplativas mostram-se igualmente particularmente recetivas à procura dos movimentos. 25 comunidades acolheram cerca de cinquenta retiros que se desenrolaram nos últimos cinco anos, tais como os cistercienses ou a comunidade Betânia.
Algumas pessoas homossexuais preferem, contudo, juntar-se num desses sítios ditos «inclusivos», que acolhem minorias de todo o tipo. Desta forma, muitos católicos frequentam o templo protestante da Casa verde, em Paris, a Igreja MCC (Metropolitan Community Church), em Montpellier, ou o grupo Lambda da catedral americana (anglicano) de Paris.
«Para que as pessoas possam sair da clandestinidade, é preciso mudar os olhares. Não se trata de banalizar, a qualquer custo, a homossexualidade, isso nunca acontecerá, mas a Igreja não deve ajudar ao sofrimento», declara Claude. Em 2000, este natural de Nantes, fez testemunhar pais de pessoas homossexuais, no âmbito de uma reunião do Pentecostes, lançada pelo bispo. O grupo de Reflexão e Partilha nasceu em consequência, devido à sensibilização de padres e leigos. Após três anos de trabalho, publicou um livro, «Orientation sexuelle et vie chrétienne, que chegou aos 1000 exemplares.
Desde então, um movimento tímido de sensibilização começou na instituição. São frequentemente pais desamparados que revelam o vazio de propostas quando, em busca de informação e de apoio, se voltam para a igreja. Foi devido à sua interpelação que Fanny Chaligne, responsável diocesana pela pastoral da família de Orleães, pôs em marcha um grupo de partilha. Em Cambrai, Maria-Reine Guérin, antiga professora, viu o sofrimento dos adolescentes e a homofobia em marcha nas aulas. Membro dos serviços diocesanos da pastoral dos jovens, ela organizou uma conferência para sensibilizar pais, alunos e professores. «Passamos ao lado de muitos jovens porque fazemos como a avestruz. Sabemos sempre muitos bem quais merecem a nossa atenção num grupo, mas somos muito desajeitados e pouco audaciosos para ousar ajudá-los a avançar. Com esta conferência, ousamos dizer que estamos desarmados e que é preciso compreender em conjunto», explica ela.
Em Valenciennes, os encontros com a associação David & Jonathan foram organizados por Myriam Dubois, delegada da família para a região Norte, com a finalidade de formar a sua equipa, ativa quer no âmbito do conselho conjugal, quer no da educação afetiva e sexual dos jovens. «5% das pessoas questionam-se sobre a sua orientação sexual e há uma grande repressão: é indispensável que no nosso modo de evocar a sexualidade, as pessoas sintam que há uma porta aberta onde podem confiar. Para isso, não devemos ter medo de abordar o assunto: falar da homossexualidade não a provoca.»
Na Igreja de hoje, a abordagem é de aprender sobre este universo e sobre as questões que se levantam, para melhor acompanhar. «Começa-se a entrever que a homossexualidade não é uma reivindicação identitária mas uma realidade experimentada por pessoas que tentam viver de maneira responsável», comenta o padre Bernard Massarini, que acompanha os membros de «Tornar-se um em Cristo». A questão do acolhimento coloca-se com uma atualidade particular sobre o plano sacramental.
Inúmeras pessoas pedem para comungar, para serem confirmados ou batizados. Outrora não o teriam encarado, sabendo-se para além da norma estabelecida pela Igreja sobre a homossexualidade continente ou da heterossexualidade no casamento. Vemo-los igualmente pedir o batismo de um filho. Pedidos gerados caso a caso e que encontram acolhimento ou não, na discrição dos pastores.
De facto, toda a dificuldade, para os padres, é conseguir situar-se em relação ao magistério que prescreve a castidade continente a todos. «O objetivo do acompanhamento é o de ajudar a pessoa a implantar aquilo que ela é interiormente e que ela deve reconhecer», estima o padre Massarini. O magistério não é um mapa a seguir: é um resguardo, que permite evitar cair, quando passamos por «ondulação» demasiado forte. Recordando que existem outros esquemas, que a diferença sexual é estruturante, que a genitalidade mais não é do que uma parte da sexualidade, compromete-se a estar mais atento ao que fazemos e vivemos. E então transforma-se num utensílio para que haja mais humanidade.»
Porém, as pessoas homossexuais continuam a esperar uma forma de compromisso que venha do mais alto nível da instituição. Nos Estados Unidos, a carta pastoral «Eles são sempre os nossos filhos», dirigida pelos bispos, em 1996, aos pais e aos padres, esteve na origem de um verdadeiro pedido de acompanhamento eclesial. Nada disso se passou em França (N. T.: ou em Portugal). «Os bispos franceses dão mostras de uma grande abertura na intimidade dos gabinetes mas não passam daí, enquanto são tão audaciosos sobre outros temas», lamenta Jean-Michel Dunand. «Têm medo que se lhes lance a suspeita de caucionarem as questões da sociedade que estão relacionadas, como o casamento ou a adoção», analisa uma animadora em pastoral. «De facto, eles sentem-se felices que existam leigos para dizerem as coisas.» Em 2006, no âmbito de um sínodo diocesano, Michel Santier, então bispo de Luçon, pediu perdão a todos os que eram testemunhas «dos ferimentos recebidos da Igreja e dos seus membros» citando aqueles «que vivem uma orientação sexual que não escolheram». A declaração foi um escândalo, orquestrado pelos tradicionalistas da diocese. «A homossexualidade suscita uma tal agressividade em certos meios católicos que é preciso ser-se muito prudente na nossa abordagem pastoral. A palavra da igreja arrisca-se a ser sistematicamente mal compreendida», analisa-o ele hoje. Por seu lado, Gérard Daucourt, bispo de Nanterre, reconhece sentir-se «bastante desamparado para fazer propostas que formalizem o acolhimento das pessoas homossexuais, num contexto que se estende entre aqueles que lutam e aqueles que condenam.»
Autoria: Joséphine Bataille
Tradução: José Leote