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Associação RUMOS NOVOS - Católicas e Católicos LGBTQ (Portugal)

Somos católic@s LGBTQ que sentiram a necessidade de juntos fazerem comunhão, partilhando o trabalho e as reflexões das Sagradas Escrituras, caminhando em comunidade à descoberta de Deus revelado a tod@s por Jesus Cristo.

30 de Julho, 2018

Jesus e a Homossexualidade: O Centurião Romano

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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O caso do centurião de Cafarnaum pode ser o único registro bíblico entre Jesus e um homossexual. O milagre da cura do servo do centurião encontra-se narrado por Mateus, Lucas e João. Cada um dos evangelistas narra a história com diferentes nuances, cada uma delas com detalhes bastante reveladores e complementares.

 

No relato de Mateus (8,5-13), o comandante romano referiu-se ao seu escravo empregando a palavra grega pais. Este é um termo bastante intrigante quanto ao seu sentido. A palavra grega pais tem vários significados: criança (Mateus 21,15), menino (Mateus 17,18) e servo (Mateus 8,6). Neste último caso, embora num sentido pouco comum, pode ser traduzida e interpretada como um escravo jovem cujo proprietário mantém para favores sexuais. O termo pederastia [1] deriva do mesmo radical (paiderastia). As várias traduções suprimiram as possíveis conotações sexuais do termo utilizando as expressões “meu servo”, “meu empregado”. A versão ARA [Almeida Revista e Atualizada] utilizou uma expressão um tanto curiosa: “meu rapaz” (v. 8). Tais relações com conotações sexuais eram bastante comuns no Império Romano e, embora condenadas pela tradição judaico-cristã, a sociedade romana tolerava-as. É um facto que havia uma componente abusiva em tais relações (vide nota sobre pederastia), mas este não parece ser o caso do centurião, já que Lucas acrescenta que o servo lhe era muito querido (Lucas 7,2), o que explica o esforço do comandante em buscar a ajuda de Jesus. Lucas também utilizou a palavra entimos, termo que denota, também, afetividade e intimidade. O fato de o centurião não se ter ausentado de casa durante a doença do servo (Lucas 7,6) também reforça a possível relação afetiva entre eles, pois tal gesto sugere cuidado e proteção.

 

O relato de Lucas refere-se ao servo como doulos, termo mais específico que significa servo, porém sem uma conotação de escravidão [2]. Tal acepção reforça o conceito de que não se tratava de um escravo comum. O texto de João coloca-o como filho do comandante, o que reforça os laços afetivos entre eles, já que um filho desfruta de tratamento e consideração superior à relação senhor/servo (João 4,46). Porém, é improvável que se trate de um filho, pois o termo doulos usado por Lucas descarta tal interpretação.

 

Lucas também afirma que ele havia construído uma sinagoga (7,5b), portanto o centurião era um homem rico e poderia substituir facilmente o servo a qualquer momento, bastaria comprar outro. As motivações do centurião são, antes, afetivas ou, mais provavelmente, homoafetivas. O mesmo texto indica que, possivelmente, era um homem temente a Deus, porque, além de construir a sinagoga, Lucas acrescenta que ele amava a nação de Israel (7,5a). Jesus conhecia o coração e a vida íntima daquele homem, entretanto, ele não condena a sua relação, antes, elogia a sua fé, curando o seu servo. É interessante mencionar, que Jesus contrariou muitos preceitos da tradição religiosa e cultural judaica, quebrando paradigmas e revelando uma nova realidade aos seus seguidores.

 


1 A pederastia era um fenómeno cultural da Grécia antiga, com finalidade didático-pedagógica, consistindo numa relação entre um homem mais velho (no grego erastes) e um jovem adolescente (eromenos). As famílias menos abastadas entregavam os seus filhos aos cuidados do erastes, cuja função era a de ensinar ao jovem rapaz valores ligados à masculinidade e às funções do homem na cultura grega. Era comum, como parte dessa relação mestre/aprendiz, a prática da relação homogenital em que o jovem adolescente desempenhava um papel passivo e seu tutor, um papel ativo. Quando o jovem ultrapassava a adolescência, cuja marca era o nascimento de barba, a relação pederástica cessava. A cultura romana, entretanto, não absorveu tal costume, antes, muitos homens cultivaram o hábito do abuso sexual a jovens escravos. Essa prática abusiva ainda encontra as suas raízes na antiga tradição da supremacia masculina do papel ativo, não sendo admitidas tais relações entre homens da mesma camada social, em virtude da noção de superioridade e inferioridade implícita nessas práticas.

2 Dicionário Vine, CPAD, 2006, pág. 991.

 

Texto original: Alexandre Feitosa

Adaptação: José Leote

24 de Julho, 2018

Bíblia e Homossexualidade: Conversa franca sobre Romanos 1

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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Quando um católico conservador quer acusar um católico ou uma católica LGBT, o repertório é sempre o mesmo: uma pequena lista de textos bíblicos em que os atos homogenitais (entre homens, apenas) são condenados: Levítico 18,22; 20,13; 1 Coríntios 6,9 e 1 Timóteo 1,10. Entretanto, os acusadores cometeram um grave erro ao aplicar tais textos às mulheres, pois nenhum deles faz referência ao sexo entre elas. Nem mesmo Romanos 1,26.

 

Bom, a clareza depende de como lemos e interpretamos determinado texto. Uma das regras da Hermenêutica é comparar versículos paralelos – ou seja, que tratem do mesmo assunto – para esclarecer termos obscuros. É aqui que os acusadores ficam encurralados! A condenação do sexo entre homens ainda encontra certo número de textos para respaldá-la. Mas o que dizer do sexo entre mulheres? Além de Romanos 1,26, nada mais há nas Escrituras que se refira a ele. Se Paulo condena aí a orientação homossexual, comum a homens e mulheres, por que não fez o mesmo nos outros textos? Uma coisa, porém deve ficar muito clara: as razões do sexo homogenital masculino condenado na Bíblia não são as mesmas de hoje.

 

É interessante notar como os acusadores se esquecem por completo do contexto dos versículos que utilizam! Ignoram as regras da hermenêutica e da exegese e depois acusam-nos de manipular as Escrituras! Bom, mas vamos ao texto em questão (NOTA: Nas citações foi utilizada a Bíblia dos Capuchinhos):

 

26 - Foi por isso que Deus os entregou a paixões degradantes. Assim, as suas mulheres trocaram as relações naturais por outras que são contra a natureza.

 

27 - E o mesmo acontece com os homens: deixando as relações naturais com a mulher, inflamaram-se em desejos de uns pelos outros, praticando, homens com homens, o que é vergonhoso, e recebendo em si mesmos a paga devida ao seu desregramento.

 

Para analisar corretamente este texto, precisamos de dois princípios da hermenêutica e da exegese: o contexto textual e sociocultural.

 

Quando analisamos o contexto textual, percebemos que os versículos 26 e 27 de Romanos 1 não são independentes, mas têm o seu conteúdo específico iniciado a partir do versículo 18: a impiedade dos homens e a supremacia de Deus em relação à Criação. A idolatria é um dos temas centrais, o que fica evidente nos versículos 23 a 25 (Foram esses que trocaram a verdade de Deus pela mentira, e que veneraram as criaturas e lhes prestaram culto, em vez de o fazerem ao Criador, que é bendito pelos séculos! Ámen). O Versículo 26 inicia-se com a expressão por isso, ou seja, explica porque aqueles atos antinaturais foram cometidos.

 

A idólatra Roma servia muitos deuses, bem como cultivava o hedonismo - o prazer como bem supremo. Paulo faz uma análise das consequências dessa realidade tão abominável diante de Deus. Uma das práticas comuns aos cultos romanos era a prostituição cultual. Ali, homens heterossexuais envolviam-se em rituais homossexuais, o que justifica a expressão: deixaram a relação natural com a mulher. Ou seja, homens heterossexuais, trocaram uma conduta sexual que lhes era natural por outra, contrária à sua natureza, ou seja, uma prática homossexual, simplesmente como fonte de prazer e de expressão ritualística.


Quanto ao sexo entre mulheres, o texto de Paulo não é definitivo em afirmá-lo, havendo, inclusive, quem acredite que o Apóstolo mencionava o sexo anal heterossexual. Esta interpretação perdurou durante toda a Idade Média. Tudo indica, porém, que o texto faz referência a duas cerimónias comuns entre os romanos daquela época: o culto a Bona Dea – restrito às mulheres, inclusive com a prática de cópula com animais; e o culto a Baco, ou bacanais, em que o incesto era parte dos ritos de iniciação. Todas essas práticas eram contrárias à natureza segundo o pensamento judaico, para o qual a função principal do sexo era a procriação.

 

O texto faz menção a relações contrárias à natureza praticadas num contexto bastante específico: a adoração de ídolos. Nenhuma ideia há que reflita as relações homoafetivas e monogâmicas da sociedade atual.

 

O texto fala de homens e mulheres que praticaram perversões sexuais específicas, contrárias à sua natureza. Homens de orientação homossexual nunca deixaram a relação natural com a mulher (v.27), simplesmente porque isso nunca lhes foi natural! O sexo entre mulheres não está em questão visto que a penetração e a semente (exclusiva dos machos, segundo a visão da época) eram necessárias para que um ato fosse considerado de natureza sexual.


Alguns leitores podem estar pensando: “ora essa, esta interpretação é forçada! Vocês estão deturpando a Bíblia para ajustá-la às vossas práticas homossexuais!” Bom, para provar que esta análise não é invenção de teólogos gays, por exemplo, vejamos o que diz o comentário da Bíblia de Estudo Dake (ministro da igreja pentecostal americana), CPAD, sobre este texto:

“... Este tipo de idolatria tem sido a raiz de toda imoralidade abominável dos pagãos. Os ídolos têm sido os padroeiros da licenciosidade (vv. 23-32). Quando davam forma humana aos seus deuses, eles dotavam-nos de paixões e desejos e representavam-nos como escravos de infames perversões sexuais e como possuidores de poderes ilimitados de satisfação sexual. Deus permitiu que eles se entregassem a pecados homossexuais e perversões desse tipo.”[Bíblia de Estudo Dake, CPAD, 2009, pág. 1799].

 

Entretanto, não faltam tentativas para alterar o que Paulo escreveu. Vejamos, por exemplo, como a Nova Bíblia Viva, Editora Mundo Cristão, Edição 2011, traduziu Romanos 1,26:

 

Esta é a razão pela qual Deus os entregou a paixões pecaminosas, a tal ponto que até suas mulheres se voltaram contra o plano natural que Deus tinha para elas e cederam aos pecados sexuais entre elas mesmas.

 

Bom, diante de tudo o que expusemos, deixo uma pergunta aos nossos acusadores: Quem está deturpando a Bíblia para ajustá-la às suas crenças?

 

Texto original: Alexandre Feitosa

Adaptação: José Leote

19 de Julho, 2018

Por que não consigo deixar de ser gay?

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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Antes de responder a esta pergunta, é imprescindível entender a origem do sofrimento dos homossexuais. Nenhuma orientação sexual, em si mesma, produz sofrimento, ou seja, ninguém sofre por ser gay ou lésbica. Há, entre os homossexuais, uma sensação de inadequação e de anormalidade, fruto de uma sociedade que marginaliza os diferentes. O sofrimento de gays e lésbicas é resultado do alto grau de preconceito e discriminação a que estão expostos diariamente. Para gays e lésbicas cristãos, o sofrimento é maior, pois as cobranças e as expetativas da igreja e da família somam-se à pressão de outros setores da sociedade.

 

Orientação sexual não é uma característica passageira. Ninguém está gay, assim como ninguém está hétero. Se fosse um estado – como muitos afirmam – seria possível mudar. A orientação sexual faz parte da constituição emocional mais íntima das pessoas. A homossexualidade não é uma fase, não é uma tendência, não é uma inclinação, não é uma moda, muito menos um comportamento. A homossexualidade é uma característica imanente (intrínseca), imutável e permanente de uma pequena parcela dos seres humanos.

 

É necessário, entretanto, responder a outra pergunta importante: por que alguns homossexuais cristãos desejam mudar? Primeiro porque acreditam que a Bíblia condena a homossexualidade; segundo, porque anseiam ser parte do grupo maioritário e hegemónico, formado pelos heterossexuais. O anseio de mudança é motivado, portanto, por dois aspetos: um aspeto espiritual (fazer a vontade de Deus) e um aspeto social (ser parte do grupo de prestígio).

 

Há respostas para ambos os aspetos. Estudos teológicos realizados desde a década de 1950 revelam que não há condenação bíblica da homossexualidade. Em suma, estes estudos indicam que os atos homossexuais descritos nas Escrituras são cometidos NÃO por força de orientação sexual - conceito até então desconhecido - mas por influência de outros contextos: abuso sexual (Sodoma e Gomorra), prostituição cultual (Levítico 18,22, Deuteronómio 23,17 e 18), hedonismo/idolatria (Romanos 1) e devassidão (1 Coríntios 6,9).

 

O grupo hegemónico não admite a presença dos diferentes. Sair desse grupo está fora de cogitação para muitos gays, que acabam pagando um preço muito caro. Sofrem pelo silêncio e pela solidão, pelo medo de partilhar a dor, pela deceção de não alcançar o padrão exigido, pela carência afetiva, pela ansiedade quanto ao futuro, pelas expetativas da igreja e da família. De facto, é difícil aceitar a própria sexualidade neste contexto. Há um falso conforto dentro do armário, mas ele é sufocante, traz dor, uma dor permanente, que aumenta à medida que o tempo passa. É preciso acreditar que, em Cristo, há vida fora do armário! Há vida fora dos padrões impostos pela religiosidade.

 

Isaías expressa claramente o pensamento do Criador: Ai do simples vaso de argila que discute com o seu artífice! Acaso o barro diz para o oleiro: «Que estás tu a fazer?» Ou: «A tua vasilha não tem asas?» (Is 45,9). O que Deus nos diz através do profeta é o seguinte: a minha vontade é soberana e deve prevalecer sobre a tua! Deus não admite que O questionemos como se Ele fosse passível de cometer erros! A tendência do homem é sofrer quando luta contra as determinações divinas (Ai do simples vaso de argila que discute com o seu artífice!). O apóstolo Paulo acrescenta: “Quem és tu, homem, para entrares em contestação com Deus? Dirá, porventura, o que é moldado àquele que o molda: «Porque me fizeste assim?»” (Romanos 9,20). Apesar do imperativo bíblico, a nossa atitude normalmente é conduzida pelas expetativas alheias. Acreditando fazer a vontade de Deus, permitimos passivamente que nosso coração seja violentado para se ajustar ao padrão das estruturas religiosas. Embora este mundo nos traga aflições, Deus não nos fez para o sofrimento. Nesse caminho, muitos perdem a fé e abandonam a Igreja.

 

Lembremo-nos: Deus não comete erros. Salomão escreveu: “Todas as coisas que Deus fez, são boas a seu tempo. Até a eternidade colocou no coração deles, sem que nenhum ser humano possa com­preender a obra divina do princípio ao fim. ” (Eclesiastes 3,11).

 

No afã enganoso de agradar a Deus e compor o grupo hegemónico, muitos submetem-se a “tratamentos” que prometem mudanças. No fim, sem os resultados prometidos, a autoestima se esvai e o senso de valor próprio desmorona. O fracasso do processo gerará, inevitavelmente, sentimentos de impotência e frustração. Consequentemente, depressão e outras doenças psíquicas terão solo fértil. Não raro, alguns optam por medidas extremas, como o suicídio. Será que fazer a vontade de Deus conduz a tão profundos abismos emocionais e a cativeiros existenciais? Não! Jesus veio para que tivéssemos vida em abundância! (João 10,10b). Cristo convida cansados e oprimidos para dele receber alívio (Mateus 11,28). Enquanto a igreja convencional fecha as portas aos diferentes, Jesus abre seus braços e acolhe a todos, incondicionalmente (João 6,37).

 

Portanto, gays e lésbicas não conseguem mudar a sua orientação sexual porque não está no coração de Deus que tal mudança aconteça. O Senhor deseja que nos aceitemos como obra das suas mãos, que encaremos a nossa sexualidade como um dom divino, não como um castigo. Devemos ter o mesmo sentimento de admiração de David ao descrever a sua própria formação no ventre materno: Tu modelaste as entranhas do meu ser// e formaste-me no seio de minha mãe.// Dou-te graças por tão espantosas maravilhas;// admiráveis são as tuas obras. (Sl 139,13.14). Ser homossexual não limita a graça divina, não impede que sejamos chamados filhos de Deus (João 1,12). Isso não é autoajuda, é verdade que liberta! A nossa busca não deve consistir em fazer ou ser aquilo que a sociedade determina como padrão, mas em aceitar o que Deus determinou ao nos formar. Aceitar a Sua vontade é experimentar algo bom, perfeito e agradável (Romanos 12,2). É preciso tomar posse dessa verdade. Deus não nos culparia por algo que não escolhemos ser. Ele é justo, é amor e misericórdia. Da mesma forma que ele não tem o culpado por inocente, ele não tem o inocente por culpado. (Naum 1,2.3).

 

Texto original: Alexandre Feitosa

Adaptação: José Leote

19 de Julho, 2018

Efeminados e Sodomitas: Quem são eles?

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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Será que a Bíblia reprova a homoafetividade, como a conhecemos no nosso tempo e cultura?

 

O apóstolo Paulo foi o único escritor do Novo Testamento a fazer menção a atos homossexuais – entre homens, apenas. O silêncio dos Evangelhos, dos Atos dos Apóstolos, das Epístolas Gerais e do Apocalipse comprova que os seus escritores estavam preocupados com outras questões e o facto de apenas Paulo mencionar atos homossexuais – por três vezes, apenas – é indício de que os atos homogenitais não constituíam um tema central da abordagem e do conceito de pecados sexuais.

 

Na verdade, duas palavras utilizadas nessas ocasiões por Paulo são razão de grande controvérsia entre os eruditos. A maioria das traduções protestantes em língua portuguesa está baseada no trabalho de João Ferreira de Almeida1. Porém, nos últimos anos outras traduções vêm merecendo algum destaque, o que representa uma mudança significativa, também, no sentido de alguns textos2. Há avanços e retrocessos em tais traduções, das quais se destacam a Bíblia Judaica e a Bíblia "A Mensagem" (baseada na versão de João Ferreira de Almeida).

 

A grande chave para se rejeitar tais textos como referência à homossexualidade é a dificuldade em saber com certeza o significado das palavras cujas traduções mais consagradas são “efeminados” e “sodomitas”. Tais palavras no original grego são, respectivamente: malakoi e arsenokoitai. Há dezenas de traduções para ambas as palavras, o que prova a incerteza dos eruditos sobre o que elas realmente significam no texto original. Palavras e termos como “devassos”, “travestis”, “catamitos”, “prostitutos masculinos”, “sodomitas”, “efeminados”, “pederastas” e “pedófilos”, entre várias outras, já foram utilizados para traduzir malakoi e arsenokoitai.

 

Malakos (plural malakoi) aparece noutros textos bíblicos e significa, literalmente, macio, suave ao toque, mole. No texto de Paulo adquiriu um significado metafórico, figurado. Os dicionários teológicos associam malakos a um homem efeminado, mas também reconhecem que o termo pode significar pessoas em geral dadas aos prazeres da carne (Dicionário VINE, CPAD). Tal tradução é bem mais coerente, pois todos os outros pecados ali citados se referem a pessoas de ambos os géneros. Algumas traduções como A Bíblia de Jerusalém (em português), La Bible du Semeur (em francês) e a Contemporary English Version (em inglês) já apresentam esta ideia. Há estudos que relacionam malakoi com a prostituição masculina praticada na época de Paulo, principalmente em Corinto, cidade famosa pela sua depravação sexual. Algumas traduções como a “Today’s New International Version” (2001), a “New International Reader’s Version” (1996) e a “New Century Version” (1984) apresentam essa ideia. Embora não completamente precisas, essas traduções já representam um avanço ao disassociar os pecados dos malakos da homossexualidade moderna. A palavra sodomita também aparece na Bíblia como referência aos prostitutos do templo. Conferir com Deuteronómio 23,17.18, de preferência em traduções diferentes.

 

O contexto cultural e religioso de Corinto justifica perfeitamente a teoria de que Paulo se referia à depravação ritualística tão comum naquela cidade: Leiamos o que diz Lindolfo WEINGÄERTNER, na obra O contexto histórico das recomendações bíblicas quanto à sexualidade, Encontro Publicações, 2000. Paraná (Brasil):

 

Nos tempos apostólicos, as influências das religiões oriundas da Babilónia, Pérsia, Egito e outras tinham invadido em larga escala a antiga religião dos gregos e romanos. Assim, no tempo do apóstolo Paulo, na cidade de Corinto, longe do lugar de origem dos cultos de fertilidade, existia um templo de Diana (chamada também de Ártemis) no qual atuavam centenas de prostitutas e prostitutos cultuais, que se entregavam sexualmente aos que frequentavam o lugar de adoração. O verbo ‘corintiar’ (korintiázein) era sinónimo de ‘viver em promiscuidade’. Nas cartas de Paulo aos coríntios ainda podemos sentir as dimensões da luta do evangelho de Cristo com a libertinagem e a promiscuidade sexual prevalecentes na cidade.

 

Apenas o vocábulo “arsenokoitai” se refere exclusivamente a homens, pois etimologicamente temos “arseno” que significa literalmente homem. Koitai significa “leito”, “cama”, numa conotação sexual. Portanto, arsenokoitai, significa o homem que mantém relações com outro homem ou, mais precisamente, o homem que penetra outro homem. Na época de Paulo, era comum a prática da exploração sexual, principalmente na relação senhor/escravo. Em Timóteo, Paulo menciona, juntamente com arsenokoitai, os traficantes de jovens escravos, o que reforça tal interpretação. Algumas traduções, valendo-se desse facto sócio-histórico, traduziram arsenokoitai como “pederastas” (Bíblia Vozes – 1995) e “pedófilos” (Bíblia dos Capuchinhos – 2002). Tais traduções, ainda que não completamente exatas, são coerentes com o contexto social do século I, pois revelam um caráter abusivo em tais relações. Essa era a visão judaica do comportamento sexual romano: a violência, o abuso e a prostituição. Paulo, por ser judeu, cultivava tais conceitos. O mais importante é compreender que o apóstolo desconhecia o sentido moderno da homoafetividade. O que ele presenciava estava muito longe de representar o amor entre pessoas do mesmo sexo e os seus relacionamentos estáveis. Alguns tradutores já perceberam que Paulo condena qualquer tipo de ato sexual não restrito às relações heterossexuais legais para a cultura judaica. Vamos ler novamente esses textos nas traduções já mencionadas no início deste artigo:

 

Quem usa e abusa das pessoas, do sexo, da terra e de tudo que nela existe não se qualifica como cidadão do Reino de Deus. Estou falando de libertinagem heterossexual, devassidão homossexual, idolatria, ganância e vícios destruidores.

(1 Coríntios 6,9 - Bíblia “A Mensagem”, 2011, Editora Vida, Brasil)

 

Temos consciência de que a Torah não tem por objetivo a pessoa justa, mas quem negligencia a Torah: descrentes, ímpios e pecadores, quem mata pai e mãe, assassinos, pessoas sexualmente imorais – quer heterossexuais quer homossexuais– vendedores de escravos, mentirosos e perjuros, e quem age de forma contrária à sã doutrina.

(1 Timóteo 1,9 e 10 – Bíblia Judaica, 2011, Editora Vida, Brasil)

 

Talvez nunca saibamos o que tais palavras significam, porém, é evidente que não se referem às relações homoafetivas e monogâmicas da atualidade. O que Paulo condena em tais textos é a prostituição, o sexo abusivo, cometido por solteiros (fornicação) fora do casamento (adultério) e o abuso entre homens. Outro ponto a ser considerado é o seguinte: se tal texto condena a homoafetividade, por que não menciona as mulheres?

 

Artigo original: Alexandre Feitosa

Adaptação: José Leote

 


1 João Ferreira de Almeida (Torre de Tavares, Várzea de Tavares, Portugal, 1628 - Batávia, Indonésia, 1691), foi um ministro pregador da Igreja Reformada nas Índias Orientais Holandesas, reconhecido especialmente por ter sido o primeiro a traduzir a Bíblia Sagrada para a língua portuguesa. A sua tradução do Novo Testamento foi publicada pela primeira vez em 1681, em Amsterdam. Almeida faleceu antes de concluir a tradução dos livros do Antigo Testamento, chegando aos versículos finais do Livro de Ezequiel.

2 A este propósito podemos mencionar a recente tradução da Bíblia Grega para português, feita por Frederico Lourenço

16 de Julho, 2018

Afinal, há homofobia na igreja?

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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Ao longo do tempo o termo homofobia e os seus derivados, embora já existissem, tornaram-se populares, também, no discurso dos cristãos em geral. As acusações são recíprocas entre os católicos e as católicas LGBT e alguns setores da igreja católicas institucional. Os católicos e as católicas LGBT acusam a Igreja de ser homófoba e a Igreja acusa católicos e católicas LGBT de reivindicarem um tratamento privilegiado em detrimento da maioria da população.

 

Afinal, o que é homofobia? Seria apenas uma forma patológica de ódio irracional e extremo aos homossexuais a ponto de causar agressão e morte ou pode, também, corresponder a uma postura – ainda que de omissão – por parte da sociedade ou mesmo da Igreja católica?

 

Se entendermos a homofobia como medo irracional quanto à homossexualidade, não é tão descabida a afirmação de que a Igreja, em geral, é homófoba. Por quê? Primeiro pela falta de espaço que o assunto possui no seu seio. Há medo, temor e receio em se abordar aberta e francamente o assunto, sem o viés da condenação teológica. A posição da Igreja quanto à homossexualidade revela-se unilateral, ou seja, as interpretações literais bíblicas direcionam o discurso, centrado, sempre, na condenação. Essa “clareza” bíblica sobre a homossexualidade (lembremo-nos sempre de que a Bíblia apresenta atos homossexuais, não o conceito de homossexualidade). Há uma recusa em se conhecer a fundo o assunto, acreditando-se que a Bíblia já oferece o suficiente para entendê-lo e julgá-lo. Enquanto isso, no seio da Igreja, católicos e católicas LGBT – em segredo – anseiam por respostas e, principalmente, por uma atenção especial ou, ao menos, um pequeno espaço, que revele, de facto, o amor que a igreja tanto prega. Essa espera é angustiante e, com frequência, acaba por afastar @s católic@s LGBT do rebanho. Ao ignorar o assunto, recusando-se a conhecê-lo ou oferecendo apenas uma visão condenatória, a postura da igreja acaba por ser, ainda que em menor grau, homofóbica, já que se baseia na ignorância e no medo em abordar o tema. A falta de conhecimento sobre o assunto gera a irracionalidade, a irracionalidade gera o temor em falar abertamente sobre a homossexualidade. Não é à toa que grande parte d@s católic@s LGBT prefere deixar a Igreja a tornar pública a sua condição, bem como o seu dilema e as suas lutas, quase sempre solitárias. Se a Igreja não lhes parece um lugar acolhedor, um lugar de amigos sinceros e interessados na sua dor, a melhor postura é sair dali ou viver clandestinamente no grupo.

 

Engana-se quem pensa que a homofobia ocorre apenas sob a forma de atos discriminatórios. O silêncio é uma forma de violência. A Igreja, ao silenciar-se ou limitar a sua abordagem da homossexualidade, acaba por tornar-se um espaço de violência, conhecida como simbólica. Um exemplo de violência simbólica é a existência de uma norma quando nem todos possuem a capacidade de segui-la: a Igreja, quando muito, oferece apenas o celibato à/ao católic@ LGBT, privando-o de um direito essencial: o exercício da afetividade – direito também bíblico. Mesmo simbólica, essa realidade configura-se como violência, pois causa danos à alma do indivíduo. Outra forma de violência é conduzir, ainda que inconscientemente, @ católic@ LGBT a seguir a norma, ou seja, o relacionamento heterossexual, em que os danos podem ser ainda maiores, pois envolverá outras pessoas.

 

Talvez, a Igreja acredite não haver homossexuais no seu meio, consequentemente, não vê razões para aprofundar a discussão neste domínio, afinal, aquele não é um problema do seu rebanho. Isso é um mito. Qualquer estrutura religiosa, como parte da sociedade, possuirá membros de orientação homossexual. O facto a ser admitido, na verdade, é que ela não está preparada para responder sobre o assunto. Como responder a questões, como oferecer conforto, como conduzir uma situação sobre a qual se desconhece? Impossível. A maioria heterossexual dita as normas (heteronormatividade), a minoria, se quiser e puder, que se adeque a tais normas, caso contrário não encontrará espaço.

 

A igreja afirma amar os homossexuais e não discriminá-los, mas os únicos que possuem propriedade para afirmar isso não é a igreja, mas os próprios homossexuais.

 

Outra forma de homofobia praticada na igreja é a violência verbal. Com certa frequência se ouvem dos púlpitos piadas, palavras que refletem estereótipos sobre gays, lésbicas e transexuais e outras colocações ofensivas.

 

Por fim, abordaremos a pior consequência da homofobia religiosa: o suicídio que muitos gays e lésbicas cometem por acreditar que não há lugar para eles na igreja, muito menos no reino de Deus.

 

Uma frase do reverendo Caio Fábio reflete bem isso: “o único exército que mata os seus soldados feridos é a Igreja.”

 

Vivemos em um país cristão, cujos conceitos morais foram moldados segundo a interpretação bíblica da normalidade das relações afetivas: homem e mulher. Ser heterossexual, nesta sociedade, equivale a ser normal, ao passo que ser homossexual equivale a ser anormal. A impossibilidade de muitos homossexuais em seguir a norma provoca o que chamamos de homofobia internalizada, ou seja, um sentimento de repulsa pela própria sexualidade. Tal sentimento, reforçado pelo discurso religioso e reafirmado pela sociedade acaba por provocar uma situação irreversível quando o jovem opta por tirar a própria vida.

 

Em tempos passados (e presentes) homossexuais eram (são) vistos como ameaça à sociedade, ameaça às famílias, aos jovens e às crianças. A tendência natural do ser humano, logicamente, é afastar de si qualquer tipo de ameaça. O episódio de Sodoma – e a sua leitura equivocada – levou muitos aos tribunais da inquisição, pois a simples presença de homossexuais em determinada localidade poderia, a exemplo de Sodoma, provocar a ira divina. Essa visão foi propagada pela Igreja durante a Idade Média e prevaleceu durante um certo período de tempo.

 

Conclusão: embora os católicos não admitam, existe homofobia na igreja. As consequências estão aí como provas: elas vão desde a evasão de ovelhas homossexuais ao suicídio. Que um dia a igreja possa rever os seus dogmas e concluir que os ensinamentos bíblicos provocam vida e não morte. Foi para isso que Jesus veio. João 10, 10: Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.

 

Texto Original: Pr. Alexandre Feitosa

Adaptação: José Leote

16 de Julho, 2018

Os casais gays e a procriação

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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O sexo não foi feito apenas para procriação. Quando lemos os Cantares de Salomão, fica bem claro que ali a intimidade do casal tem como função a sua autorrealização e o prazer, não a geração de filhos.

 

Quando pensamos nos relacionamentos apenas sob a ótica do sexo e da procriação, teremos autoridade bíblica para condenar uma série de pessoas:

 

a) Casais estéreis;

b) Pessoas que se casaram já idosas, cujo ciclo reprodutivo cessou;

c) Casais que optam por não ter filhos;

d) Homens e mulheres que se submetem à esterilização (ligadura de trompas e vasectomia);

e) Pessoas que usam métodos contracetivos (preservativo, pílula, etc...)

 

A Igreja tradicional é tão incoerente que não condena essas pessoas, embora sejam contrárias aos princípios bíblicos do Génesis («Crescei, multiplicai--vos, enchei e submetei a terra...» Génesis 1, 28).

 

Esse mesmo princípio aplica-se aos modelos de família que a igreja insiste em manter como único modelo bíblico: homem, mulher e filhos. Este modelo, com base no Génesis, torna antibíblicas as seguintes famílias:

 

a) Mães solteiras;
b) Pais solteiros;
c) Irmãos que não possuem pai ou mãe;
d) Solteiros convictos.

 

Se os casais homoafetivos não vivem conforme a Bíblia, muito menos as pessoas citadas nos modelos acima. Se os casais homoafetivos são rejeitados nas igrejas tradicionais por não cumprirem o Génesis, por que a igreja não rejeita todos os héteros que não o cumprem?

 

Sobre a função procriativa: De facto, as relações homoafetivas são incapazes de gerar filhos entre si, mas apenas fisicamente! Um filho não se gera apenas de uma relação sexual entre homem e mulher, mas do amor de um casal, gay ou hétero, disposto à adoção. Gerar filhos não é requisito para que um casal seja considerado família.

 

O que vale mais? Um casal hétero que rejeitou uma criança ou um casal gay que a adotou? Para Deus certamente vale mais o que exerceu o amor, ou seja, o casal gay. Sabe por quê? Porque qualquer obra que o homem fizer sem amor, de nada vale! (1 Coríntios 13) e a Bíblia diz mais:

“O amor não faz mal ao próximo. Assim, é no amor que está o pleno cumprimento da lei.” (Romanos 13, 10).

 

Ou seria melhor que essa criança vivesse toda a sua infância e adolescência confinada numa instituição? Seriam os casais gays incapazes de amar uma criança ou adolescente rejeitado?

 

Neste ponto, os casais gays cumprem ainda mais os mandamentos divinos, e, cumprindo o maior dos mandamentos, o AMOR, Deus não os rejeita:

 

“Quem recebe os meus mandamentos e os observa esse é que me tem amor; e quem me tiver amor será amado por meu Pai, e Eu o amarei e hei-de manifestar-me a ele. Perguntou-lhe Judas, não o Iscariotes: «Porque te hás-de manifestar a nós e não te manifestarás ao mundo?» Respondeu-lhe Jesus: «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada.»” (João 14, 21-23).

 

Deus nãos nos vê segundo a nossa genitália, não nos coloca rótulos, mas vê-nos segundo o Seu amor e através das nossas obras, principalmente o amor que Lhe demonstramos e ao próximo.

 

Artigo original: Pr. Alexandre Feitosa

Adaptação: José Leote

16 de Julho, 2018

Casais homoafetivos: Por que Deus os aprova?

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Não são poucas as acusações que os casais homoafetivos sofrem por mentes levadas, pura e simplesmente, pela falta conhecimento do que, de facto, tais relações refletem e representam. O que verdadeiramente une os casais homoafetivos é o ágape, nascido de Deus e gerado em nós, seus filhos.

 

A vida a dois, em todas as suas nuances e prazeres, físicos e emocionais, faz parte do propósito divino desde a criação do homem e da mulher (Génesis 2, 18). O mais maravilhoso disso tudo é que, mesmo antes de nossa concepção, já éramos conhecidos pelo Pai, em toda a profundidade do nosso ser, em todas as nossas particularidades, inclusive as afetivas e sexuais (Jeremias 1, 5; Salmo 139). A sexualidade precede qualquer decisão ou discernimento da nossa consciência moral; é intrinsecamente anterior à capacidade de opção e escolha humana, não está condicionada aos modelos ou influências externas, antes, pertence ao âmago de cada pessoa e, como entidade inerente ao ser humano, divinamente criado, merece ser tratada com respeito e amor.

 

O termo homoafetividade, em contrapartida, pretende revelar uma realidade além da expressão sexual de tais pessoas. Homoafetividade traduz, portanto, o romantismo, o cuidado mútuo, o companheirismo, a entrega, enfim, a extensão e a grandeza presentes nos relacionamentos estáveis, em todas as direções, exatamente como ocorrem na expressão afetiva heterossexual.

 

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 Homoafetividade não é sinónimo de homogenitalidade. O componente sexual como entrega recíproca deve ser a consequência de sentimentos que começam num olhar e terminam no compromisso estável entre as partes envolvidas. O amor é um sentimento universal, e não constitui exclusividade dos heterossexuais. É uma capacidade de todo o ser humano, como assim o são os homossexuais, igualmente capazes de gerar em outrem ou nutrir por outrem um amor sincero e autêntico. A Bíblia não aborda esse assunto, apenas faz referências a atos homogenitais em contextos e situações muito diferentes das uniões homoafetivas de hoje. Nada há na Bíblia, condenável, que se relacione com o compromisso motivado por um sentimento de amor e companheirismo entre duas pessoas do mesmo sexo.

 

O termo homoafetividade, embora originalmente concebido pela linguagem jurídica, configura-se como um conceito construído em conformidade com os princípios bíblicos de relacionamento estável e monogâmico.

 

Texto original: Pr. Alexandre Feitosa

Adaptação: José Leote

 

16 de Julho, 2018

Homoafetividade à Luz da Bíblia

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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A força máxima que rege os relacionamentos homoafetivos é o amor, mais precisamente, o amor ágape. Embora o amor eros seja determinante, ele não define tais relações. O Novo Testamento nem mesmo o menciona, mesmo quando se refere às uniões heterossexuais. O Amor eros compreende, basicamente, a atração física e sexual, tanto que deu origem ao adjetivo erótico, o que não traduz os relacionamentos afetivos em toda a sua dimensão. Na verdade, embora direcionado para outra pessoa, o eros representa o amor próprio, visto que está centrado na expectativa de satisfação pessoal, muitas vezes momentânea, efémera.

 

Amor eros e relacionamentos afetivos não são sinónimos. Quando um relacionamento afetivo está centrado no amor puramente eros, a sua tendência é acabar com o tempo, pois não encerra o amor genuíno capaz de unir, verdadeira e incondicionalmente, duas pessoas.

 

No grego do Novo Testamento, há 3 tipos de amor: philos (amizade),storge (familiar) e ágape (amor incondicional). As relações afetivas encerram em si todos eles, principalmente o amor ágape. Em Efésios 5, 25 e Tito 2, 4, é o amor ágape que une homem e mulher. O amor das relações homoafetivas em nada difere do amor presente nas relações heteroafetivas.

 

Não há argumentos que tornem ilegítimas as uniões homoafetivas diante das Escrituras visto que contra o amor não há lei! Ele não é exclusividade deste ou daquele grupo, tampouco é exclusivo de Deus, mas d'Ele provém e se estende aos seus filhos (cfr Gálatas 5, 22.23; 1 João 4,7).

 

O ágape:

  1. É exemplificado por Deus a fim de nos ensinar;
  2. É ordenado por Deus a fim de nos induzir;
  3. É produzido por Deus a fim de nos capacitar.

 

As uniões homoafetivas são, portanto, vistas por Deus sob o mesmo prisma dos casamentos entre heterossexuais. Deus está presente onde quer que Seu amor esteja. Não há razão para acreditar que o Pai condenaria a expressão de um sentimento que emana de Si mesmo. A homoafetividade não deve ser julgada de acordo com proibições cujas motivações já não existem, mas antes segundo os princípios bíblicos do ágape e seus resultados, concretamente vivenciados, em tais relacionamentos.

 

Texto de: Pr. Alexandre Feitosa

Adaptação: José Leote

16 de Julho, 2018

Quando é que o sexo é pecado?

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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Discute-se muito, entre as pessoas católicas LGBT, sobre o momento certo para a prática do sexo. Com a conquista do direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, a questão continua a causar muitas dúvidas, principalmente entre os católicos LGBT que não querem ferir os princípios bíblicos para o sexo. O foco deste artigo não é o de analisar o momento do sexo num contexto homoafetivo ou heteroafetivo, mas a sua prática de uma forma geral.

 

Falando biblicamente, o sexo é pecado quando o outro é visto simplesmente como um meio pelo qual saciamos a nossa libido (ou mesmo os instintos de violência e humilhação), ou quando nos apresentamos da mesma forma: dispostos a fazer sexo apenas por prazer e como ato desprovido de laços e sentimentos. O sexo é pecado quando os envolvidos se tornam objetos descartáveis, úteis somente durante o uso. Em resumo: o sexo é pecado quando usamos diferentes corpos e nos deixamos usar.

 

A maioria dos católicos acredita que apenas no casamento (isto é, sacramento do matrimónio) o sexo é aprovado e abençoado por Deus. Entretanto, o casamento não é garantia de que o sexo esteja isento de pecado. Baseados numa leitura superficial de 1 Coríntios 7,3, há homens que, por meio do poder físico e verbal (o discurso também é uma forma de poder e opressão) fazem de suas companheiras verdadeiros objetos, revelando ausência de amor, não a presença dele.

 

Vejamos o que nos diz o apóstolo:

“O marido cumpra o dever conjugal para com a sua esposa, e a esposa faça o mesmo para com o seu marido.”

 

Percebamos que Paulo iguala os géneros, ressaltando que os deveres conjugais pertencem a ambos. Tais deveres, entretanto, devem ser analisados sob um contexto maior: o amor entre os cônjuges, descrito pelo mesmo apóstolo em Efésios 5,25.28:

“Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela [...] Assim devem também os maridos amar as suas mulheres, como o seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo.”

 

À luz deste texto, fica claro que o sexo deve ser encarado como um bem íntimo do casal, a ser desfrutado sob a égide do amor e do respeito pelo cônjuge e pelo seu corpo. O corpo do nosso cônjuge é a extensão do nosso corpo, quem ama o seu cônjuge ama a si mesmo! É um princípio bíblico simples, mas, ao mesmo tempo, belo e profundo!

 

Na época bíblica, a cultura atribuía ao sexo o marco inicial do casamento. O homem que praticasse sexo com uma virgem era obrigado a casar-se com ela (Êxodo 22,16). O poder espiritual do sexo é capaz de transformar duas pessoas numa, sejam elas casadas ou não, se há compromisso e estabilidade entre elas ou não (comparar com Génesis 2, 24 e com 1 Coríntios 6,16). Aquele que faz sexo com o seu cônjuge torna-se um com ele, da mesma forma que aquele que se prostitui, torna-se um com a outra parte. Por isso, o contexto de estabilidade é o ideal para se desfrutar uma vida sexual segundo os padrões bíblicos.

 

As Escrituras indicam vários tipos de relações sexuais ilícitas e, sem dúvida, todas elas são apresentadas num contexto de uso e descarte dos corpos, nunca relacionadas com relacionamentos estáveis: adultério (sexo fora do casamento – 1 Coríntios 6, 9), fornicação (sexo entre solteiros descompromissados – Hebreus 13, 4), prostituição (sexo por dinheiro ou para obtenção de algum favor – Deuteronómio 23,17.18) e abuso (Génesis 19, 5).

 

O pecado sexual (como todo o pecado) tem origem na concupiscência (desejos humanos) do coração e é desprovido de amor. A sua natureza é puramente carnal e incapaz de produzir algum efeito que não seja a degradação moral e espiritual (Tiago 1, 14.15). Nos relacionamentos estáveis (em que há compromisso, aliança entre as partes – juridicamente casadas ou não) o sexo não pode ser visto como pecado, pois não configura nenhuma das transgressões sexuais apresentadas nas Escrituras.

 

O casamento na nossa sociedade é bem diferente daquele existente na cultura judaica apresentada na Bíblia. Normalmente, entre os casais homoafetivos, casar equivale a dividir o mesmo teto, porém, isso não significa que o sexo deva estar ausente no período de namoro. É uma escolha que cabe ao casal. A maioria dos casais homoafetivos encara o namoro como uma modalidade de relacionamento estável e desfruta normalmente de uma vida sexual. Entretanto, quando pessoas LGBT praticam sexo sem compromisso, cometem porneia, ou, especificamente, a fornicação.

Esperar o momento certo para desfrutar a intimidade é o melhor caminho. O sexo deve ser fruto não apenas de desejo, mas de sentimento, compromisso e estabilidade. O sexo deve nascer, solidificar-se e amadurecer com os demais aspetos do relacionamento. (O Prémio do Amor, p. 145).

 

Resumindo: o sexo por prazer e sem compromisso é pecado, o sexo com amor e compromisso é bênção. Entretanto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma conquista que não pode ser ignorada. Os casais homoafetivos que hoje vivem um relacionamento estável devem trabalhar juntos a fim de desfrutar esse direito tão esperado!

 

Texto original: Alexandre Feitosa

Adaptação: José Leote

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