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Associação RUMOS NOVOS - Católicas e Católicos LGBTQ (Portugal)

Somos católic@s LGBTQ que sentiram a necessidade de juntos fazerem comunhão, partilhando o trabalho e as reflexões das Sagradas Escrituras, caminhando em comunidade à descoberta de Deus revelado a tod@s por Jesus Cristo.

30 de Agosto, 2018

Pe. James Martin: Como as paróquias podem acolher @s católic@s LGBT

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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Um dos mais recentes desafios para as paróquias católicas é como acolher os paroquianos LGBT, bem como as famílias com membros LGBT. Porém, esse desafio é igualmente onde a graça abunda porque @s católic@s LGBT têm-se sentido excluídos da igreja durante tanto tempo que qualquer experiência de acolhimento pode ser uma mudança de vida - um momento de cura que @s pode inspirar a novamente irem à Missa, faze-l@s regressar aos caminhos da fé e mesmo ajudá-l@s a voltar a acreditar em Deus.

 

Ao longo dos últimos anos, tenho ouvido as histórias mais assustadoras da boca d@s católic@s LGBT a quem foi feito sentir que não eram bem-vindos nas paróquias. Um gay autista de 30 anos que «saiu do armário» para a família e que não estava em qualquer tipo de relacionamento disse-me que um elemento da pastoral lhe disse que ele já não podia receber a comunhão na igreja. Porquê? Porque já o dizer que era gay constituía um escândalo.

 

Porém, a crueldade não termina à porta da igreja. No ano passado uma mulher contactou-me para me perguntar se conhecida alguns «padres misericordiosos» na sua arquidiocese. Porquê? Ela era enfermeira num hospital onde um doente católico estava a morrer. Contudo, o padre da paróquia local designado para o hospício recusava dar-lhe a extrema unção - porque ele era gay.

 

É surpreendente que a maioria d@s católic@s LGBT se sintam como leprosos na igreja?

 

É surpreendente que a maioria d@s católic@s LGBT se sintam como leprosos na igreja?

 

O mesmo é verdade para as famílias. A mãe de um adolescente gay disse-me que o filho tinha decidido regressar à igreja após anos a sentir que a igreja o odiava. Depois de muita discussão, ele resolveu regressar no Domingo de Páscoa. A mãe estava cheia de alegria. Quando a Missa começou ela não se continha em si por ter o filho a seu lado. Porém, depois de o sacerdote ter proclamado a Ressurreição de Cristo, adivinhem o que ele continuou a pregar? Os males da homossexualidade. O filho levantou-se e saiu da igreja e a mãe permaneceu sentada no banco da igreja e chorou.

 

Contudo, também há histórias de graça na nossa igreja. No ano passado, um estudante universitário disse-me que a primeira pessoa para quem tinha «saído do armário» tinha sido um padre. A primeira coisa que o padre lhe disse foi: «Deus ama-te e a igreja aceita-te.» O jovem disse-me: «Aquilo, literalmente, salvou-me a vida.» De facto, deveríamos alegrarmo-nos com o facto de cada vez mais paróquias católicas serem locais onde @s católic@s se sentem em casa, graças quer ao pessoal paroquial quer a programas mais formalizados.

 

A minha comunidade de jesuítas em Nova Iorque fica perto de uma igreja chamada St. Paul the Apostle (São Paulo o Apóstolo), que possui um dos mais ativos programas de ajuda a pessoas LGBT do mundo. O ministério chama-se «Out at St. Paul» (NT: que em tradução livre ficaria «Saíd@s do Armário em São Paulo») e apoia retiros, grupos de estudos bíblicos, palestras e eventos sociais para a ampla comunidade LGBT da paróquia. Todos os domingos na Missa das 17h15, no momento dos anúncios paroquiais, uma pessoa LGBT sobe ao púlpito para dizer: «Olá! Eu sou o Jason ou a Xorie ou a Marianne e sou membro do Out at St. Paul. Se és lésbica, gay, bissexual ou transgénero queremos que te sintas acolhido. Partilho agora alguns acontecimentos a decorreram na próxima semana.» Acabei de saber que dois membros desse grupo vão entrar em ordens religiosas, este ano.

 

Infelizmente, a maior parte da vida espiritual d@s católic@s LGBT depende do local onde calha viverem

 

Infelizmente, a maior parte da vida espiritual d@s católic@s LGBT depende do local onde calha viverem. Se se é uma pessoa gay, lésbica, bissexual ou transgénero tentando dar sentido ao seu relacionamento com Deus e com a igreja ou se se é progenitor de uma pessoa LGBT e se se vive numa grande cidade com pastores de mente aberta, tem-se sorte. Porém, se se vive num local de mente menos aberta ou se o pastor é homofóbico, quer pela calada quer abertamente, a sorte acaba-se. E o modo como @s católic@s são acolhidos, ou não, nas suas paróquias influencia fortemente a sua perceção não somente da igreja, mas igualmente da sua fé e em Deus.

 

É o verdadeiro escândalo. Por que deveria a fé de depender do local onde se vive? É isso que Deus deseja para a igreja? Pretendeu Jesus que as pessoas na Betânia sentissem menos o amor de Deus do que aquelas que aconteceu viverem em Betsaida? Pretendeu Jesus que uma mulher em Jericó se sentisse menos amada do que uma mulher em Jerusalém?

 

Portanto, o que é que ajuda uma paróquia a ser acolhedora e respeitadora? Como podem padres e diáconos, irmãs e irmãos, professores de educação moral e religiosa católica, leigos responsáveis pela pastoral e tod@s @s paroquin@s serem lares para @s católic@s LGBT e respetivas famílias?

 

As observações seguintes são baseadas não somente em conversas com pessoas LGBT, mas igualmente na experiência de ministros LGBT e grupos de ajuda que consultei a propósito desta palestra. Perguntei-lhes: Quais são as coisas mais importantes para as paróquias saberem e fazerem?

 

Parece óbvio, mas as paróquias precisam de se lembrar que as pessoas LGBT e as respetivas famílias são batizadas

 

Portanto, gostaria de abordar três áreas. Primeira, quais são algumas ideias fundamentais para as paróquias? Segunda, o que pode uma paróquia fazer para ser mais acolhedora e respeitadora? Finalmente, o que é que o Evangelho nos pode dizer sobre este tipo de ministério? Vamos começar com seis ideias fundamentais:

 

1) El@s são católic@s. Isso soa óbvio, mas as paróquias precisam de se lembrar que as pessoas LGBT e respetivas famílias são católic@s batizados. Fazem tanto parte da igreja como o Papa Francisco, o bispo local ou o pastor. Não é uma questão de @s tornar católic@s. El@s já o são. Portanto, a coisa mais importante que podemos fazer pel@s católic@s LGBT é acolhe-l@s ao que já é a sua igreja. E é preciso não esquecer: só pelo facto de permanecerem na igreja, as pessoas já suportaram frequentemente anos de rejeição. O nosso acolhimento deve refletir isso, pelo que deveria ser, citando o Evangelho de Lucas, «uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante.»

 

2) El@s não escolhem a sua orientação. Infelizmente, muitas pessoas ainda acreditam que as pessoas escolhem a sua orientação sexual, apesar do testemunho de quase tod@s @s psiquiatras e biólogos - e, mais importante ainda, as experiências vividas pelas pessoas LGBT. Não se escolhe a orientação ou identidade de género, assim como não se escolhe ser canhoto. Não é uma escolha. E não é uma adição. Assim, não é um pecado ser-se simplesmente LGBT. Menos ainda, não é algo para «culpar» alguém, como os progenitores.

 

3) El@s foram frequentemente tratad@s como leproso@s pela igreja. Nunca se deve subestimar a dor que as pessoas LGBT têm vivido - não somente às mãos da igreja, mas igualmente da sociedade no seu todo. Algumas estatísticas podem ajudar: Nos Estados Unidos, @s jovens gay, lésbicas e bissexuais têm cinco vezes maior probabilidade de tentativas de suicídio do que @s seus contrapartes héteroscontrapartes héteros. Quarenta por cento das pessoas transgénero nos Estados Unidos tentam o suicídio. Entre as pessoas jovens LGBT nos Estados Unidos, 57 por cento sentem-se insegurança devido à sua orientação. Igualmente, um estudo mostra que quanto mais religiosa é a família de onde são oriundos, maior a probabilidade de tentarem o suicídio. E uma importante razão para @s jovens LGBT serem sem-abrigo é o facto de serem oriundos de famílias que @s rejeitam por razões religiosas. Portanto, as paróquias precisam de se aperceber das consequências da estigmatização das pessoas LGBT.

 

Nunca se deve subestimar a dor que as pessoas LGBT têm vivido - não somente às mãos da igreja, mas igualmente da sociedade no seu todo

 

A maioria d@s católic@s LGBT foi profundamente magoad@ pela igreja. Podem ter sido alvos de troça, insultad@s, excluíd@s, condenad@s ou apontad@s com críticas, quer em privado quer a partir do púlpito. Podem nunca ter escutado o termo «gay» ou «lésbica» dito de uma forma positiva ou mesmo neutra. E mesmo quando os comentários não tinham origem no enquadramento da paróquia, podem ter ouvido outr@s responsáveis católic@s fazerem comentários homofóbicos. Desde os seus primeiros dias como católic@s que frequentemente lhes é feito sentir que são um erro. Temem a rejeição, o julgamento e a condenação por parte da igreja. De facto, estes podem ser as únicas coisas que esperam da igreja. Isto leva-@s frequentemente a que se autoexcluam da igreja.

 

Os progenitores de crianças LGBT enfrentam a mesma dor. Há mesmo um ditado: «Quando uma criança sai do armário, os progenitores vão para o armário.» Para os progenitores pode ser confuso, perturbador e embaraçoso aceitar a realidade da orientação sexual ou de género d@s filh@s.  Podem ter vergonha em frente de familiares e ami@s. Ter um@ filh@ que saia do armário ou diga que é transgénero pode fazer com que o progenitor sinta que de alguma forma falhou, mas que serão isolados, julgados e excluídos da igreja. Algumas vezes sentem que têm de escolher entre @ filh@ e Deus. Os progenitores preocupam-se igualmente que @ filh@ abandone a igreja que é encarada como @s rejeitando. Como resultado, as paróquias têm de deixar progenitores e famílias aperceberem-se que ainda são bem-vindos, que nada têm a temer de parte da igreja e que a igreja é a sua casa.

 

4) El@s trazem dons à igreja. Tal como qualquer outro grupo, as pessoas LGBT trazem dons especiais à igreja. Neste momento, normalmente é errado procedermos a generalizações, mas para um grupo que tem sido visto na igreja quase exclusivamente sob uma perspetiva negativa, é importante considerar os muitos dons do grupo. Para começar, porque têm sido tão marginalizados, muitas pessoas LGBT sentem frequentemente uma misericórdia natural por aqueles que se encontram nas margens. A sua misericórdia é um dom. Frequentemente perdoam aos pastores e padres que os trataram como lixo. O seu perdão é um dom. Perseveram enquanto católic@s face a anos de rejeição. A sua perseverança é um dom.

 

De facto, não há muito tempo algumas paróquias americanas despediram pessoas LGBT depois destas se terem legalmente casado. De cada vez que ouço estas histórias, elas são sempre sobre o professor@, trabalhador@ na paróquia ou responsável pelo coro «mais querid@». Questiono-me sempre porque eram os «mais querid@s.» Depois apercebo-me do porquê: as pessoas LGBT que trabalham para a igreja têm de realmente lá querer estar, considerando o modo como são tratadas. Mantêm os seus ministérios apesar da rejeição que vivem. O mesmo acontece com @s paroquian@s LGBT: El@s têm de tomar uma decisão consciente de permanecer numa igreja - perseverar. Portanto, quando pensamos sobre os seus dons, podemos ter a mesma reação que Jesus teve com o centurião romano: espanto com a sua fé.

 

Tal como qualquer outro grupo, as pessoas LGBT trazem dons especiais à igreja

 

5) El@s anseiam por conhecer Deus. Tal como muit@s católic@s, muitas pessoas LGBT lutam em relação a vários aspetos do ensinamento da igreja - por exemplo, expressões como «intrinsecamente desordenado.» Ao mesmo tempo, muitas destas pessoas não estão tão centradas naquelas partes da tradição como as pessoas pensam. Muitas destas pessoas querem algo bem mais simples: Querem viver o amor do Pai através da comunidade. Querem conhecer Jesus Cristo na Eucaristia. Querem viver o Espírito Santo nos sacramentos. Querem escutar boa homilias, cantar boa música e sentir-se parte de uma comunidade de fé. Tratem-nos desse modo - não como contestatários, mas como paroquianos. Ajudem as pessoas LGBT e respetivas famílias a realizarem os seus desejos mais profundos: conhecer Deus.

 

6) El@s são amad@s por Deus. Deus ama-@s - portanto também nós o deveríamos fazer. E não me refiro a um amor mesquinho, relutante, crítico, condicional e a meio gás. Refiro-me a um amor autêntico. E o que significa amor autêntico? O mesmo que significa para toda a gente: conhecer estas pessoas na complexidade das suas vidas, celebrar com elas quando a vida é doce, sofrer com elas quando a vida é amarga, como qualquer amig@ faria. Contudo, digo a tod@s: amai estas pessoas tal como Jesus amou as pessoas nas margens: de forma extravagante.

 

Com estas ideias em mente, como pode uma paróquia ser mais acolhedora? Como podemos tratar as pessoas LGBT com as virtudes que o Catecismo recomenda: «respeito, compaixão e delicadeza»? Permitam-me que sugira 10 coisas. Claro que estas 10 sugestões precisar de ser adequadas à realidade de cada paróquia. Não há nenhuma onde todas encaixem. Cada paróquia deve desenvolver o seu próprio modelo.

 

1) Examinem as vossas próprias atitudes em relação às pessoas LGBT e respetivas famílias. Acreditam que alguém é pecador somente porque ela é lésbica ou mais inclinada a pecar do que uma mulher hétero? Consideram os progenitores «responsáveis» pela orientação sexual de um adolescente gay? Pensam que uma pessoa é transgénera somente porque é «moda»? Aqui deixo outra questão: se nenhuma ou somente poucas pessoas LGBT se deram a conhecer perante vós, porque motivo isso acontecerá?

 

Deus ama as pessoas LGBT- portanto também nós o deveríamos fazer. E não me refiro a um amor mesquinho, relutante, crítico

 

Da mesma forma, discriminamos nós no nosso coração em relação a estas pessoas? Por exemplo, avaliamos a comunidade LGBT através dos mesmos padrões que utilizamos em relação à comunidade hétero? Com as pessoas LGBT somos tentados a focalizar-nos no facto de se elas estão em total consonância com os ensinamentos da igreja sobre a moral sexual. Portanto, vamos fazer o mesmo com os paroquianos hétero - com aqueles que vivem juntos antes de se casarem ou praticam o controle de natalidade? Sejamos consistentes sobre que vidas irão ser escrutinadas. Os pastores são muitas vezes mais acolhedores das situações complexas das pessoas hétero porque as conhecem. Por exemplo, mesmo quando Jesus condena completamente o divórcio, a maioria das paróquias acolhe pessoas divorciadas. Tratamos as pessoas LGBT com a mesma compreensão?

 

O que podemos fazer acerca destas atitudes? Ser honestos acerca delas. Mas também obter factos, não mitos, sobre a orientação sexual e identidade de género a partir de fontes científicas e socio-científicas e não a partir de boates e de sites com informação false e homofóbica. Depois, falar com Deus e com o vosso diretor espiritual sobre os vossos sentimentos e ser abertos à resposta de Deus. Convidar a vossa equipa pastoral a falar sobre os seus sentimentos e vivências. Isto conduz ao próximo passo.

 

2) Escutem-n@s. Escutem as vivências d@s católic@s LGBT, respetivos progenitores e familiares. Se não souberem o que dizer poderão perguntar: «Como terá sido crescer como um rapaz gay na nossa igreja?» «Como será ser uma católica lésbica?» E uma pergunta importante: «Como será ser uma pessoa transgénero?» Ainda sabemos pouco sobre a vivência transgénero, portanto devemos escutar. Convidar os progenitores de uma criança LGBT a falarem com a vossa equipa pastoral. Perguntar-lhes: «Como é ter um@ filh@ gay?» «Como é que a igreja vos ajudou ou magoou?» «Como é que o vosso entendimento de Deus mudou?» E prestem atenção ao que eles dizem. Para isso, prestem atenção à linguagem que eles dizem que acham ofensiva e desnecessariamente dolorosa: «sodomia», por exemplo. Os nomes, as palavras e a terminologia são importantes.

 

Avaliamos a comunidade LGBT através dos mesmos padrões que utilizamos em relação à comunidade hétero?

 

No geral, quer estejam a participar num ministério como um programa de ajuda a pessoas LGBT ou se estejam a encontrar a sós com uma pessoa LGBT, comecem com as suas vivências. Para esse fim, acreditem que o Espírito Santo as guiará na sua formação enquanto cristãos. Não lidamos com os demais católic@s, repetindo simplesmente o ensinamento da igreja sem considerarmos as suas experiências vividas. Portanto, evitem fazer isso com as pessoas LGBT. Reparem como Jesus tratou as pessoas nas margens: por exemplo, como tratou a mulher samaritana. Castigou-a por ser casada várias vezes e viver com alguém? Não. Em vez disso, Jesus escutou-a e trata-a com respeito. Portanto sejam como Jesus: escutem, encontrem, acompanhem. Se a igreja tivesse ouvido as pessoas LGBT, 90 porcento da homofobia e do preconceito desapareceria.

 

3) Reconheçam-n@s nas homilias ou nas apresentações paroquiais como membros de pleno direito da paróquia, sem julgamentos e não como católicos tresmalhados. As pessoas LGBT nunca deveriam ser diminuídas ou humilhadas a partir do púlpito - aliás, como ninguém o deveria. Somente mencionando-as pode já ser um passo em frente. Algumas vezes nas homilias digo, «Deus ama-nos a tod@s - quer sejamos velhos ou novos, ricos ou pobre, hétero ou LGBT.» Mesmo algo pequeno como isto pode enviar um sinal. Também envia um sinal aos progenitores e avós, irmãos e irmãs, tias e tios. Podem pensar que não têm ninguém LGBT na vossa paróquia. Porém, certamente que haverá progenitores ou avós de pessoas LGBT. Têm pessoas, nas vossas paróquias, que amam pessoas LGBT.

 

4) Peçam-lhes desculpa. Se as pessoas católicas LGBT ou as respetivas famílias foram magoadas em nome da igreja por comentários, atitudes e decisões homofóbicas, peçam-lhes desculpa. E estou aqui a falar para os ministros da igreja. Estas pessoas foram magoadas pela igreja, você é um ministro da igreja. Pode pedir desculpa. Não resolve nada, mas já é um começo.

 

5) Não reduzam gays e lésbicas ao chamamento à castidade que tod@s partilhamos enquanto cristãos. As pessoas LGBT são mais do que as suas vidas sexuais. Porém, algumas vezes é somente isso que escutam. Lembrem-se para não se fixarem apenas na sexualidade, mas também nas muitas outras alegrias e tristezas presentes nas suas vidas. Estas pessoas levam vidas ricas. Muit@s católic@s LGBT são el@s próprios progenitores ou cuidam de progenitores já velhinhos; muit@s estão envolvid@s em organizações cívicas e de caridade. Encontram-se, frequentemente, envolvid@s na vida paroquial. Vejam-se na sua totalidade. E se falarem de castidade com as pessoas LGBT, façam-no da mesma forma que o fazem com as pessoas hétero.

 

As pessoas LGBT são mais do que as suas vidas sexuais. Porém, algumas vezes é somente isso que escutam

 

6) Incluam-n@s em ministérios. Como já referi, existe a tendência de focagem na moralidade sexual dos paroquianos LGBT, o que é errado, porque, primeiro, frequentemente vocês não fazem ideia de como são as suas vidas sexuais; e, segundo, se el@s estão a pisar em terreno quebradiço, não são @s únic@s. Como resultado, as pessoas LGBT podem sentir que têm de ser desonestos sobre quem são e que não têm lugar nos ministérios. Como toda a gente na vossa paróquia que não vive de acordo com os Evangelhos - que é toda a gente - as pessoas LGBT deveriam ser convidadas para os ministérios paroquiais: ministros da comunhão, ministros da música, leitores, ministério do luto e todos os demais ministérios. A propósito, ao não @s acolher a igreja perde os seus dons. El@s irão simplesmente para onde são acolhid@s, para onde possam levar os seus eus na totalidade. Também, pedir a alguém que se sentiu deixado de lado durante toda a sua vida pode ser uma mudança de vida.

 

7) Reconheçam os seus dons individuais. Não somente deveríamos acolher os dons que as pessoas LGBT oferecem à igreja enquanto grupo, mas os seus dons individuais devem ser valorados. Por exemplo, um dos cantores na minha paróquia jesuíta é um homem gay. Ele é gentil e misericordioso e a sua voz maravilhosa tornou-o numa parte essencial da nossa oração durante 20 anos. Elevem-n@s. Não escondam a sua luz debaixo da vossa saia!

 

8) Convidem todas as pessoas do staff paroquial para que @s acolham. Podem ter um pastor de acolhimento, mas e que tal se forem tod@s? A pessoa que atende o telefone sabe o que responder a um casal de lésbicas que quer batizar @ filh@? Nos funerais, os filhos gay adultos do falecido são tratados com o mesmo respeito do que os demais filhos? E que tal o professor numa escola da paróquia que tem dois pais que vêm a uma reunião de encarregados de educação? Como é que um diácono trata o pai de um homem gay acabado de falecer e que pretende um funeral para o filho? Católicos gay e católicas lésbicas são acolhidos nos grupos de luto quando um@ companheir@ morre? A vossa paróquia encontra-se aberta a filh@s de todos os casais e não somente dos héteros? Filhos e filhas de casais de lésbicas ou gays são bem-vindos nas escolas paroquiais, programas educacionais e de preparação para os sacramentos? O vosso staff paroquial é educado no total alcance do ensinamento da igreja sobre a não discriminação e a ajuda pastoral?

 

A voz da vossa paróquia não é somente a voz do vosso pastor, mas a voz de toda a gente. Pensem nisso desta forma: Ao não acolher e excluir @s católic@s LGBT, a igreja está a falhar no seu chamamento a ser a família de Deus. Ao excluir as pessoas LGBT, vocês estão a destroçar a família de Deus; estão a desmembrar o Corpo de Cristo.

 

Ao excluir as pessoas LGBT, vocês estão a destroçar a família de Deus; estão a desmembrar o Corpo de Cristo

 

9) Apoiem eventos especiais ou desenvolvam um programa de ajuda. Tal como toda a gente, 2s católic2s LGBT querem sentir que são parte da igreja. E, no que diz respeito aos seus filhos e filhas, o ónus está na igreja em os convidar para a comunidade. Porém, para muitas pessoas LGBT a igreja não tem sido lugar de acolhimento. Portanto atividades concretas e programas de ajuda são uma ajuda para preencher o fosso entre as vossas intenções e as suspeitas del2s.

 

Quanto a atividades, há muitas possibilidades. Podem oferecer uma Missa de acolhimento, um retiro de fim-de-semana, um dia de memória, um clube de leitura ou um orador. E as atividades de oratória não têm de ser somente sobre temas LGBT. Ou seja, apoiar um orador para falar aos paroquianos LGBT acerca da oração. Ou exibam um vídeo sobre um tópico sobre o qual as pessoas necessitem estar informadas, somo uma experiência de uma pessoa transgénero. Novamente, este tema - pessoas transgénero - é um assunto sobre o qual a igreja precisa aprender porque a sociedade ainda está a aprender sobre ele. O Bispo Christopher Coyne de Burlington, disse: «Não vejo qualquer razão para as pessoas transgénero não serem acolhidas na igreja. Há mais evidência... de que muito disto é biológico; não é somente algo que uma pessoa faça porque é uma escolha da moda ou cultural. É o que estas pessoas são... toda a gente é uma criatura de Deus e convido todos a se sentarem à mesa.»

 

Quanto aos ministérios de ajuda para pessoas LGBT, existem muitos modelos. Vão desde programas onde as pessoas LGBT falam, em privado, umas com as outras, aos onde paroquianos LGBT se encontram com outros paroquianos; a programas educacionais sobre o ensinamento da igreja; a abordagens mais holísticas onde o grupo não se centra na sexualidade mas nas outras questões que as pessoas LGBT enfrentam; a grupos de família para progenitores; a grupos que promovem ajuda à comunidade LGBT na área, como o trabalho em abrigos para jovens LGBT; para programas do tipo «misturar», nos quais a paróquia inclui tópicos LGBT como um elemento entre outros na paróquia: em programas de educação para adultos, justiça social e ministério com jovens. Tudo isto depende da vossa paróquia.

 

No que diz respeito aos progenitores, uma mãe disse, quando lhe perguntei o que é que vos deveria dizer hoje: «A coisa mais importante a dar aos pais é a segurança, um espaço de acolhimento para que possam partilhar as suas histórias com outros progenitores católicos. Pois muitos sentem-se sozinhos e pensam que mais ninguém está a passar pelo mesmo. É um alívio saber que há outr2s na viagem. E não precisam de escutar filhos e filhas serem comparados com alcoólicos. Escutar afirmações positivas do púlpito seria também bonito, em vez de agirem como se os seus filhos e filhas não existissem.»

 

No ano passado, a paróquia jesuíta onde celebrei Missa - chamada, sem surpresa, Santo Inácio de Loyola - apoiou uma noite de partilha de histórias. Seis elementos da nossa paróquia juntaram-se - três homens gay, a mãe de um filho gay, o pai de um filho gay e o seu filho gay adolescente - para falarem das suas vidas. A sua partilha de histórias de alegria e de tristeza foram cura para eles e para toda a paróquia. Porquê cura para eles? Imaginem o que é pensar durante toda a vida que não se é parte da igreja e depois ser-lhes pedido que falassem sobre as suas experiências. E cura para o resto da paróquia, porque nos uniu a todos de uma forma que dificilmente poderíamos ter imaginado.

 

10) Defendam-n@s. Sejam proféticos. Há inúmeros momentos nos quais a igreja pode fornecer uma voz moral em prol desta comunidade perseguida. E não me estou a referir acerca de temas quentes como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Estou a falar de incidentes em países onde os homens gay são arrebanhados e atirados para a cadeia ou mesmo executados pelo facto de serem gays e as lésbicas são violadas como forma de «as curar» das suas orientações sexuais. Nesses países, os assuntos LGBT são assunto de vida. Noutros países, essa voz pode responder a incidentes de suicídio de adolescentes ou crimes de ódio ou bullying. Há muitas oportunidades para as paróquias estarem ao lado das pessoas LGBT que estão sendo perseguidas.

 

Isso faz parte do que significa ser cristão: defender os marginalizados, os perseguidos, os abatidos

 

O Catecismo diz: «Qualquer sinal de injusta discriminação deve ser evitado» no que diz respeito às pessoas LGBT. Acreditamos nesta parte do Catecismo? A Congregação para a Doutrina da Fé escreveu em 1986: «É deplorável que as pessoas homossexuais tenham sido e sejam objeto de discursos e ações violentos. Tal atuação merece a condenação dos pastores da igreja onde quer que aconteça.» Acreditamos nesta declaração da CDF?

 

Isto é parte do que significa ser cristão: defender os marginalizados, os perseguidos, os abatidos. É chocante o pouco que a igreja católica tem feito. Deixem que os vossos paroquianos LGBT saibam que vocês estão a seu lado, mencionem a sua perseguição numa homilia, sempre que apropriado, ou na oração dos fiéis. Sejam proféticos. Sejam corajosos. Sejam como Jesus.

 

Porque de que serviria se não estivéssemos a tentar ser como Jesus? E lembrem-se de que Jesus, no seu ministério público, continuamente ajudou pessoas sentiam que estavam nas margens. O movimento em prol de Jesus foi de fora para dentro. Ele estava a trazer pessoas que se sentiam fora, para dentro da comunidade. Porque para Jesus não há "nós" e "el@s". Há somente nós.

 

Com essa finalidade, gostaria de terminar com uma história dos Evangelhos para nos ajudar a meditar no nosso chamamento a acolher e respeitar as pessoas LGBT e respetivas famílias.

 

O Evangelho de Lucas apresenta-nos a maravilhosa história do encontro de Jesus com Zaqueu. Jesus encontra-se a viajar através de Jericó, uma grande cidade. Está a caminho de Jerusalém, já na fase final do seu ministério, portanto ele era bem conhecido na zona. Em resultado disso, tinha provavelmente uma ampla multidão que seguia atrás dele. Em Jericó, há um homem chamado Zaqueu. Ele era o chefe dos cobradores de impostos da região e como tal seria igualmente visto pelos judeus como o «pecador chefe.» Porquê? Porque seria encarado como estando em conluio com as autoridades romanas. Portanto Zaqueu era alguém que estava provavelmente afastado de toda a gente.

 

Para Jesus, é comunidade primeiro, conversão em segundo. Acolhimento e respeito vêm em primeiro lugar

 

Chegados aqui, gostaria de vos convidar a pensarem em Zaqueu como um símbolo para as pessoas católicas LGBT. Não porque as pessoas LGBT sejam mais pecadoras que o resto de nós - porque tod@s somos pecadores. Mas porque se sentem tão marginalizados. Pensem nas pessoas LGBT como Zaqueu.

 

O Evangelho de Lucas descreve Zaqueu como de «estatura baixa.» Que tão baixa «estatura» as pessoas LGBT frequentemente sentem que têm na igreja. Lucas diz-nos igualmente que Zaqueu não podia ver Jesus «devido à multidão.» Isso seria provavelmente devido à sua altura, mas com que frequência a «multidão» se coloca no caminho do encontro pessoal entre as pessoas LGBT e Jesus? Quando é que nós na paróquia somos parte da «multidão» que não deixa as pessoas LGBT se aproximarem de Deus?

 

Portanto, Zaqueu sobe a uma árvore, porque, conforme Lucas nos conta, ele queria ver «quem era Jesus.» E isto é o que as pessoas LGBT querem: ver quem é Jesus. Porém, a multidão metesse no caminho.

 

Então agora temos Jesus a caminho através de Jericó, provavelmente com centenas de pessoas clamando pela sua atenção. E para quem é que ele aponta? Para uma das autoridades religiosas? Para um dos seus discípulos? Não, para Zaqueu! E o que é que ele diz a Zaqueu? Grita-lhe: «Pecador!» Grita-lhe: «Seu terrível cobrador de impostos?» Não! Diz-lhe, «Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa.» É um sinal público de acolhimento de alguém que se encontra nas margens.

 

Então vem a minha linha favorita na história: «Ao verem aquilo, murmuravam todos entre si,» que é exatamente aquilo que se passa hoje em relação às pessoas LGBT. As pessoas murmuram! Vão à internet e verão todo o murmúrio. Uma oferta de misericórdia a alguém nas margens faz com que as pessoas se irritem.

 

Porém Zaqueu desce da árvore e, como diz o Evangelho, «ficou ali.» O grego original é bem mais forte: stathesis: ele manteve-se firme. Quantas vezes as pessoas LGBT têm de se manter firmes face à oposição e ao preconceito na igreja?

 

Então Zaqueu diz que dará metade dos meus bens aos pobres e restituirá quatro vezes mais a quem tenha defraudado. Um encontro com Jesus conduz a uma conversão, como o faz para toda a gente. E o que quero dizer por conversão? Não «terapia da conversão.» Não, a conversão que acontece a Zaqueu é a conversão à qual tod@s somos chamados. Nos Evangelhos, Jesus chama-a de metanoia, uma conversão de mentes e corações. Para Zaqueu, conversão significou dar aos pobres.

 

Tudo isto provém de um encontro com Jesus. Porque a abordagem de Jesus era, maioritariamente, a comunidade em primeiro lugar, a conversão em segundo. Para João o Batista o modelo era converter primeiro e depois ser acolhido na comunidade. Para Jesus, é a comunidade em primeiro lugar, a conversão em segundo. Acolhimento e respeito vêm primeiro.

 

É assim que Jesus trata as pessoas que se sentem nas margens. Alcança-as antes de mais alguém; encontra-as e trata-as com respeito, delicadeza e compaixão.

 

Portanto, no que se refere às pessoas LGBT e respetivas famílias nas nossas paróquias, parece haver dois lugares onde podemos estar. Podemos estar do lado da multidão, que múrmura e que se opõe à misericórdia para com aqueles nas margens. Ou podemos estar do lado de Zaqueu e, mais importante, com Jesus.

 

Tradução: José Leote (Rumos Novos)

27 de Agosto, 2018

Comunicado de Imprensa da Rumos Novos a Propósito do IX Encontro Mundial das Famílias

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

 

27 de agosto de 2018

 

 

RUMOS NOVOS regozija-se com «porta aberta» no EMF

 

Presença da temática LGBT no EMF representa momento histórico na vida da Igreja

 

Terminado que está o IX Encontro Mundial das Famílias (EMF), subordinado ao tema «O Evangelho da Família, Alegria para o Mundo», que decorreu em Dublin, na Irlanda, entre 21 e 26 de agosto, a Rumos Novos – Católicas e Católicos LGBT (Portugal) faz um balanço muito positivo do momento histórico aí vivido, particularmente, no que concerne às pessoas LGBT, suas famílias e amigos.

 

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 Intervenção do Pe. James Martin, SJ, sobre «Mostrar Acolhimento e Respeito nas Nossas Paróquias para com as Pessoas LGBT e suas Famílias», no IX Encontro Mundial das Família, em Dublin (Irlanda)

 

A última vez que o Encontro Mundial das Famílias teve lugar foi em Filadélfia, em 2015, onde a temática LGBT esteve completamente ausente do programa oficial.

 

Neste IX EMF, num momento charneira para a história da Igreja Católica (desde logo devido ao extenso rol de abusos sexuais por parte do clero), houve vários avanços e recuos, concretamente com a ausência de famílias LGBT no material promocional do encontro o que foi, desde logo, uma fonte de séria preocupação junto da Rumos Novos, pois sempre foi nossa esperança de que este fosse um momento que jamais deveria mostrar qualquer forma de intolerância para com as famílias LGBT, ou utilizado como palco para comentários que, de alguma forma, excluíssem, isolassem ou magoassem estas famílias.

 

Por isso, é com júbilo que verificámos verdadeiros momentos de acolhimento para todos e todas. Desde logo, pela presença do Pe. James Martin, SJ que exortou ao acolhimento e respeito pel@s católic@s LGBT e cujo convite representa uma clara mensagem à comunidade católica LGBT que exprime um sinal inconfundível de acolhimento por parte da igreja.

 

Numa comunicação intitulada «Mostrar Acolhimento e Respeito nas Nossas Paróquias para com as Pessoas LGBT e suas Famílias» e numa sala apinhada muito para além do seu limite de 1000 lugares sentados, o Pe. James Martin descreveu os muitos abusos e opressões que as pessoas católicas LGBT viveram na Igreja e foi igualmente veemente quando descreveu a sua fé profunda e os dons espirituais que estas pessoas trazem à igreja, tendo, sobretudo, referido: «Têm sido, muitas vezes, tratados como leprosos, por parte da Igreja. Nunca se deve subestimar a dor que as pessoas LGBT têm vivido – não somente às mãos da Igreja, mas igualmente por parte da sociedade, no seu geral…» e «A maioria das pessoas LGBT tem sido profundamente ferida pela igreja. Têm sido gozados, insultados, excluídos, condenados ou apontados, em privado e a partir do púlpito… Desde os seus primeiros dias como católic@s, que @s fazem sentir como se fossem algum tipo de erro. Temem a rejeição, o julgamento e a condenação por parte da igreja. De facto, estas são as únicas coisas esperam da igreja. Frequentemente, isto leva-os a que se afastem da igreja.»

 

Acabaria a sua preleção pedindo à igreja que se mantenha fiel a Jesus e acolha as pessoas LGBT.

 

Porém, a presença do assunto d@s católic@s LGBT não se ficou pela intervenção do Pe. James, mas antes esteve presente em mais três outros momentos.

 

Na missa de encerramento do Encontro Mundial das Famílias entre as famílias escolhidas para a procissão do ofertório estava uma família envolvida no «All Are Welcome» (Tod@s são bem-vind@s), organismo irmão da Rumos Novos.

 

Na Missa de encerramento do Congresso Pastoral do EMF, o Diácono Ray Dever de Tampa, na Florida, que é pai de uma filha transgénero e de uma outra bissexual, serviu como pregador do Evangelho e assistente do presidente da celebração, o Cardial Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, instituído pelo Papa Francisco.

 

Finalmente, no voo de regresso a Roma, proveniente do EMF, o Papa Francisco, respondendo a uma pergunta do jornalista Javier Romero, do Rome Reports, aconselha um pai ou uma mãe com um filho ou filha homossexual a «rezar! Não condenar. Dialogar. Compreender. Dar espaço ao filho e à filha. Dar espaço para que se exprimam.», pois «aquele filho ou aquela filha tem direito a uma família e a família nunca o deve deixar afastar-se dela. Isto é um desafio sério, mas é isso que faz a paternidade e a maternidade.»

 

Portanto, a Rumos Novos – Católicas e Católicos LGBT (Portugal) reafirma que este IX EMF foi uma ocasião histórica para confrontar a desigualdade, a discriminação e o ódio e um momento único de iniciar a construção de pontes, a comunicação entre católicas e católicos LGBT e a igreja institucional e vice-versa, mas foi igualmente uma justa homenagem a tantas e tantos que nas paróquias e dioceses, bispos, sacerdotes e leigos, se dedicam afincadamente e, tantas vezes, num mar de incompreensões e críticas, à pastoral com as pessoas LGBT.

 

Neste IX EMF foi aberta uma porta em direção à igreja institucional, na Rumos Novos acreditamos ser chegado o momento desta igreja atravessar essa porta para dar início à construção de pontes de entendimento e diálogos com @s católic@s LGBT.

 

Este EMF interpela-nos a todas e todos, igreja institucional e católic@s LGBT, a sermos como Jesus: procurar as pessoas, encontrá-las e tratá-las com respeito, compaixão e delicadeza. Saiba a igreja institucional estar à altura do desafio que hoje o povo de Deus lhe pede!

27 de Agosto, 2018

De regresso a Roma, o Papa Francisco responde a uma questão sobre homossexualidade

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

 

 

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Na conferência de imprensa a bordo do avião que o trouxe de volta ao Vaticano, depois da sua presença no encerramento do Encontro Mundial das Famílias, o Papa Francisco responde, sem rodeios, a uma questão sobre a homossexualidade colocada pelo jornalista Javier Romero, do Rome Reports.

 

O Primeiro Ministro da Irlanda, que foi muito direto no seu discurso, está orgulhoso do novo modelo de família diferente daquele que a Igreja tem proposto até agora: quero dizer o casamento entre pessoas do mesmo sexo. E este é, provavelmente, um dos modelos que dá origem a mais batalhas, e estou a pensar concretamente no caso da família católica, quando há uma pessoa numa família destas que declara ser homossexual. Santidade... o que pensa, o que diria a um pai cujo filho lhe diga que é homossexual?

 

A tua pergunta é clara: o que direi a um pai que vê que um filho ou filha tem essa tendência? A primeira coisa que lhe diria é para rezar! Não condenar. Dialogar. Compreender. Dar espaço ao filho e à filha. Dar espaço para que se exprimam.

Porém, em que idade é que esta inquietude do filho ou filha se expressa? Isso é importante. Uma coisa é quando isso se manifesta numa criança. Há muitas coisas que têm a ver com a psiquiatria, para ver como as coisas são. Outra coisa é quando isso se manifesta depois dos 20 anos de idade... Mas eu nunca direi que o silêncio é um remédio. Ignorar um filho ou uma filha com tendências homossexuais é uma falta de paternidade ou de maternidade. «Tu és o meu filho ou a minha filha tal como és! Eu sou o teu pai ou a tua mãe. Falemos!» E se, pai e mãe não estiverem à altura da situação, peçam ajuda, mas sempre em diálogo, porque aquele filho ou aquela filha tem direito a uma família e a família nunca o deve deixar afastar-se dela. Isto é um desafio sério, mas é isso que faz a paternidade e a maternidade.

 

 

 

José Leote (Rumos Novos)

26 de Agosto, 2018

Família com elementos LGBT Leva Dádivas do Ofertório ao Papa Francisco

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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Na missa de encerramento do Encontro Mundial das Famílias, que hoje terminou em Dublin (Irlanda), entre as famílias escolhidas para a procissão do ofertório estava uma família envolvida no «All Are Welcome» (Tod@s são bem-vind@s), organismo irmão da Rumos Novos.

 

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«All Are Welcome» é uma comunidade de oração, que gira em torno de uma Missa especialmente dirigida às pessoas LGBT, pais, familiares e amigos, a que se segue uma reflexão, em torno de um chá e café.

 

De sublinhar que esta é a segunda vez que elementos de uma família com pessoas LGBT fizeram parte oficial das liturgias do EMF. Na Missa de encerramento do Congresso Pastoral do EMF, o Díacono Ray Dever de Tampa, na Florida, que é pai de uma filha transgénero e de uma outra bissexual, serviu como pregador do Evangelho e assistente do presidente da celebração, o Cardial Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, instituído pelo Santo Padre o Papa Francisco.

 

24 de Agosto, 2018

No Encontro Mundial de Famílias (EMF), a decorrer em Dublin (Irlanda), o Pe. James Martin exorta ao acolhimento e respeito pel@s católic@s LGBT

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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Numa sala apinhada de gente que ia muito para além dos 1000 lugares sentados, o Pe. James Martin proferiu, ontem (23 de agosto) uma palestra, classificada pelo próprio moderador como a palestra «mais publicitada e falada» do EMF. A palestra, intitulada «Mostrando Acolhimento e Respeito nas nossas Paróquias pelas pessoas LGBT e Suas Famílias», foi acrescentada à planificação depois da organização do EMF ter tomado um conjunto de decisões que afastavam @s católic@s LGBT dos temas em discussão. A propósito, recordemos que o Pe. James Martin já se tinha referido à decisão de o convidarem como sendo uma clara mensagem à comunidade LGBT católica que exprimia «um sinal inconfundível de acolhimento por parte da igreja.»

 

O Pe. James Martin iniciou a sua palestra afirmando que «as observações seguintes são baseadas não somente em conversas com pessoas LGBT, mas igualmente com ministros LGBT e grupos de apoio que consultei para esta palestra. Perguntei-lhes: Qual é a coisa mais importante para as paróquias saberem e fazerem?» Esta é a razão pela qual encaro este evento não somente como uma forma de apoio ao ministério do Pe. Martin, mas igualmente aos inúmeros ministros que nas paróquias, nas dioceses e nos campus universitários têm trabalhado durante todo este tempo, recebendo frequentemente, como contrapartida, comentários duramente negativos por parte dos responsáveis da igreja e dos paroquianos. A palestra do Pe. James Martins no EMF, apoiado pelo Vaticano, os esforços e mensagens destas centenas de elementos das paróquias e voluntários recebeu finalmente um público ao mais alto nível na Igreja. Somente por esta razão, este acontecimento foi já uma ocasião histórica.

 

Ao dirigir-se ao público que o escutava o Pe. James Martin, de forma franca, descreveu os muitos abusos e opressões que as pessoas LGBT católicas viveram na Igreja e foi igualmente veemente quando descreveu a sua fé profunda e os dons espirituais que trazem à igreja.

 

As palavras do Pe. James Martin encorajaram a que mais paróquias e comunidades de fé se tornem mais amigas das pessoas LGBT. Explicou:

 

«Infelizmente, muita da vida espiritual d@s católic@s LGBT e das suas famílias depende do local onde vivem. Se se é uma pessoa LGBT tentando dar sentido ao seu relacionamento com Deus e com a Igreja, ou se se é pai de uma pessoa LGBT e se vive numa grande cidade com sacerdotes de mente aberta, então tem-se sorte. Porém, quando se vive num local de mente mais fechada, ou o pároco é homofóbico, silenciosa ou abertamente, essa sorte acaba. O modo como os católicos são acolhidos, ou não, nas suas paróquias influência enormemente a sua perceção não somente em relação à Igreja, mas também em relação à sua fé e em relação a Deus.»

 

«É um verdadeiro escândalo. Por que razão é que a fé deve depender do lugar onde se vive? É isso que Deus deseja para a Igreja? Será que Jesus queria que as pessoas da Betânia sentissem menos o amor de Deus do que as pessoas que viviam em Betsaida? Será que Jesus queria que uma mulher em Jericó se sentisse menos amada que uma mulher em Jerusalém?»

 

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Traçou igualmente um retrato vivo da realidade vivida pel@s católic@s LGBT ao realçar:

 

«El@s não escolhem a sua orientação. Infelizmente, muitas pessoas ainda acreditam que as pessoas escolhem a sua orientação sexual, apesar dos testemunhos de quase todos os psiquiatras, biólogos e, mais importante ainda, as experiências vividas pelas pessoas LGBT. Não se escolhe a orientação ou a identidade de género, do mesmo modo que não se escolhe se somos destros ou esquerdinos. Não é uma escolha. E não é um vício. Portanto, não é pecado ser-se simplesmente LGBT. Menos ainda, não é algo de que se deva «culpabilizar» quem quer que seja, como, por exemplo, os progenitores.»

 

Passou depois o Pe. James Martin ao tratamento duro que estas pessoas têm recebido por parte dos responsáveis da Igreja:

 

«Têm sido, muitas vezes, tratados como leprosos, por parte da Igreja. Nunca se deve subestimar a dor que as pessoas LGBT têm vivido – não somente às mãos da Igreja, mas igualmente por parte da sociedade, no seu geral…»

 

«A maioria das pessoas LGBT tem sido profundamente ferida pela igreja. Têm sido gozados, insultados, excluídos, condenados ou apontados, em privado e a partir do púlpito. Podem mesmo nunca ter ouvido o termo «gay» ou «lésbica» dito de uma forma positiva, ou mesmo de uma forma neutra. E mesmo que comentários de ódio não façam parte da forma de agir da paróquia, podem ter ouvido outros responsáveis católicos pronunciarem comentários de natureza homofóbica. Desde os seus primeiros dias como católi@s, que @s fazem sentir como se fossem algum tipo de erro. Temem a rejeição, o julgamento e a condenação por parte da igreja. De facto, estas são as únicas coisas esperam da igreja. Frequentemente, isto leva-os a que se afastem da igreja.»

 

Explicou ainda que o desejo espiritual das pessoas LGBT é, de muitas formas, similar ao de todas as pessoas:

 

«Eles desejam conhecer Deus. Tal como muitos outros católicos, muitas pessoas LGBT lutam em relação a vários aspetos do ensinamento da igreja – por exemplo, termos como «intrinsecamente desordenado.» Ao mesmo tempo, muitos não se centram tanto nessas partes da tradição como algumas pessoas pensam. Muitos querem algo bem mais simples: querem viver o amor do Pai através da comunidade. Querem conhecer Jesus Cristo na Eucaristia. Querem viver o Espírito Santo nos sacramentos. Querem escutar boas homilias, cantar boa música e sentir-se parte de uma comunidade de fé. Tratem-nos dessa forma: não como quem está sempre no contra, mas como paroquianos. Ajudem as pessoas LGBT e as suas famílias a realizarem o seu mais profundo desejo: conhecer Deus.»

 

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Finalmente realçou a primazia do amor de Deus:

 

«Estas pessoas são amadas por Deus. Deus ama-os e nós também o deveríamos fazer. E não me refiro a um amor mesquinho, relutante, crítico, condicional e desligado. Refiro-me a um amor autêntico. E o que é que amor autêntico quer dizer? O mesmo que quer dizer para toda a gente: conhecendo estas pessoas na complexidade das suas vidas, celebrando com ela quando a vida é doce, sofrendo com elas quando a vida é amarga, tal como um amigo faria. Mas atrevo-me a dizer ainda mais: amem-nos tal como Jesus amou as pessoas nas margens: de forma extravagante.»

 

Dirigindo-se ao auditório deixou dez passos básicos que as paróquias podem realizar de modo a serem mais acolhedoras:

 

  1. Examinem as vossas próprias atitudes em relação às pessoas LGBT e às suas famílias;
  2. Escutem-nas. Escutem as experiências das pessoas católicas LGBT e aquelas dos seus progenitores e famílias;
  3. Reconheçam as pessoas LGBT nas homilias ou apresentações paroquiais como membros de pleno direito da paróquia, sem julgamentos e certamente não como católicos caídos em desgraça;
  4. Peçam desculpa às pessoas LGBT. Se estas pessoas ou as suas famílias foram prejudicadas, em nome da Igreja, por comentários, atitudes ou decisões homofóbicos, peçam desculpa;
  5. Não reduzam gays e lésbicas ao chamamento à castidade que todos partilhamos como cristãos. As pessoas LGBT são mais do que as suas vidas sexuais. Contudo, algumas vezes é somente disso que ouvem falar;
  6. Incluam-nas nos ministérios;
  7. Reconheçam os seus dons individuais;
  8. Convidem pessoas na paróquia para acolherem as pessoas LGBT. Podem ter um sacerdote que faça esse acolhimento, mas e que tal se forem todos?
  9. Apoiem acontecimentos especiais ou desenvolvam um programa de ajuda;
  10. Defendam-nas. Sejam proféticos. Há muitas vezes em que a igreja pode fornecer uma voz moral a esta comunidade perseguida. E não me estou a referir a temas quentes como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Estou a referir-me a incidentes em países onde os gays são encarcerados ou mesmo executados e as lésbicas são violadas como forma de as «curar» da sua orientação sexual.»

 

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«Tudo isto é parte do significado de sermos cristãos: levantarmo-nos pel@s marginalizad@s, pel@s perseguid@s, pel@s espancad@s. É deveras chocante quão poucas vezes a igreja católica fez isto. Deixem que @s voss@s paroquian@s LGBT saibam que estão a seu lado; mencionem a sua perseguição numa homilia, quando apropriado, ou na Oração dos Fiéis. Sejam proféticos. Sejam corajosos. Sejam como Jesus.»

 

«Porque se não tentamos ser como Jesus, qual a nossa razão de existir?»

 

O Pe. James Martin concluiu a sua exposição com uma análise da história de Zaqueu no evangelho de Lucas. Comparou Zaqueu, um proscrito na sua comunidade que era considerado um grande pecador, a uma pessoa LGBT dos nossos dias, que é frequentemente tratada como um pária e um grande pecador pelas instituições religiosas. Na história de Lucas, Jesus acolheu Zaqueu, ainda que as pessoas da localidade tenham resmungado perante a atitude de Jesus. O Pe. Martin apresentou a ação de Jesus como um modelo do modo como as pessoas da igreja devem hoje responder às pessoas LGBT:

 

«É deste modo que Jesus trata as pessoas que se sentem nas margens. Procura-as antes de qualquer outra pessoa; encontra-as e trata-as com respeito, delicadeza e compaixão.»

 

E concluiu: «Portanto, no que diz respeito às pessoas LGBT e às suas famílias, nas nossas paróquias, parece que há dois lugares onde permanecer: podem permanecer com a multidão, que resmungava, e que se opunha à misericórdia para com aqueles nas margens, ou podem permanecer com Zaqueu e, mais importante que isso, com Jesus.»

 

Tradução e adaptação: José Leote (Rumos Novos)

18 de Agosto, 2018

Morreu José Mantero, o primeiro sacerdote em Espanha que confessou ser gay

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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José Mantero, o primeiro sacerdote que declarou publicamente em Espanha que era homossexual, faleceu hoje (18/08/2018) no Hospital de Riotinto, vítima de pericardite.

 

Mantero, de 55 anos, foi capa da revista "Zero", em 2002, vestido de sacerdote e dando "graças a Deus por ser gay". A sua saída do armário teve como consequência a sua suspensão "a divinis" e o afastamento da paróquia de Valverde del Camino, onde era pároco. Atualmente residia neste município.

 

Após ter confessado que era gay, José Mantero criticou a "dupla moral" que, na sua opinião, impera no seio da Igreja católica, onde as relações sexuais, quer homossexuais como heterossexuais, são "o mais habitual", segundo denunciou.

 

Numa entrevista dada em novembro de 2002, Mantero defendeu a sua saída do armário, ainda sendo sacerdote, como "um passo que será positivo, ainda que tenha de passar algum tempo". Os escândalos, defendeu então, "fazem avançar as sociedades, são necessários".


Para além de percorrer Espanha dando conferências e defendendo os direitos do coletivo gay, nos últimos anos, Mantero havia-se dedicado a colaborar em editoriais e fazendo traduções.

 

Artigo original: EL MUNDO

Tradução e adaptação: José Leote (Rumos Novos)

17 de Agosto, 2018

Carta a um amigo gay...

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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 Quando andava no liceu, tive um amigo que ainda lidava com a sua auto-aceitação da homossexualidade, quando eu já o tinha feito e já ía mais à frente no caminho. Basicamente estamos todos no mesmo caminho, mas em diferentes lugares. Aqui deixo a carta que então lhe escrevi. Talvez também te ajude a ti...

 

«Algumas vezes na vida, acontecem-nos coisas que realmente não queríamos que acontecessem. Talvez sejas um pouco diferente do que parece a todos. Talvez sejas canhoto, talvez tenhas o pé chato, ou talvez sejas homossexual. É verdade que ser canhoto já não é nada de especial, mas já foi. Mesmo na geração dos nossos pais, as pessoas eram obrigadas a escrever com a mão direita porque com a esquerda era considerada coisa do diabo. Agora, contudo, escreveres com a mão esquerda talvez te atrase um pouco, talvez tenhas algumas dificuldades, alguns obstáculos, mas consegues ultrapassá-los. Ser homossexual é o mesmo, terás algumas dificuldades e obstáculos, mas podes contorná-los.

 

Podes ser feliz, verdadeiramente feliz! Podes ter amigos que saibam que és homossexual e não te incomodem por isso. Podes ter montes de amigos que te aceitarão pelo que és. Acredita ou não, um dia os teus pais irão aceitar-te. Contudo, tudo o que consegues ver é o lado negativo de ser homossexual. Piadas sobre maricas, comentários negativos de toda a gente, incluindo dos teus pais.

 

Por isso, pensas que podes enganar as pessoas aos saires com raparigas. Porém, de cada vez que tens medo algo vai acontecer no teu encontro que te deixa desconfortável. Lá no fundo sabes quem és, mas não o consegues admitir para ninguém. Portanto sais com raparigas, mas isso não funciona. Estabeleces então o objetivo inatingível para que todos pensem que és heterossexual e parem de te incomodar com os encontros: ninguém é suficientemente bom para ti. Comigo foi que ninguém tinha moral suficiente. Ninguém era suficientemente puro. Contudo, com o passar do tempo isso não funciona. A única pessoa que enganas é a ti próprio. Eu já lá estive!

 

Contudo o mentires a toda a gente, faz-te sentir metido numa armadilha. É como se a sociedade te forçasse para um molde onde não encaixas. Porém, não precisas de mudar para encaixar no molde. Há outras pessoas por aí que também não se encaixam no molde. Estás somente muito assustado de que todo o mundo se volte contra ti. Mas não o farão, eu não o farei e outros não o farão. De facto, de todas as pessoas a quem contei, nenhuma me rejeitou.

 

Sou homossexual. Levei tanto tempo para conseguir dizer isto. Mas agora consigo dizê-lo. Consigo brincar sobre isso. Porém, agora tenho a certeza de quem sou!

 

Mas já estive onde tu estás agora. Toda a gente, os filmes, a televisão, mostram os homossexuais como sendo amaricados, molestadores de crianças ou tendo comportamentos sexualmente desviantes. Mas tu não és assim, és um tipo normal que, por acaso, é homossexual. Mas de tudo o que viste e ouviste, essas pessoas não existem. Mas é claro que existem e nem tu nem as outras pessoas reparam que elas são diferentes. Soube que eras homossexual no 10.º ano, quando te contei que eu era homossexual. Deve ser o nosso sexto sentido que nos diz quem é homossexual e quem não é. Se ainda não o tens, tê-lo-ás mais tarde!

 

Somente queres ir para os grandes centros. Qualquer sítio onde os homossexuais sejam aceites, qualquer sítio onde não te sentisses como um marginal. Para mim, foi um grande centro, disse aos meus pais que queria ir estudar para lá, mas somente queria ir para lá para poder ser quem sou. Por que pensas que fui aceite na universidade um ano mais cedo? Não foi porque quisesse apressar a minha aprendizagem por um ano. Foi por querer sair dali. Ser livre daquelas mentes fechadas da minha terra. Então eu e o João tornamo-nos amigos e eu centrei todas as minhas energias nele. Não me precoupei com a sexualidade. Fazia com ele as coisas que os melhores amigos fazem e isso era suficiente. Tinha medo de ir para a universidade numa terra diferente, tinha medo porque a universidade era católica e eu queria ficar por causa do Carlos e, por isso, não fui.

 

Mas daqui a duas semanas e meia, vou para outra Universidade e é como ouro sobre azul. Depois de duas semanas de aconselhamento sei que serei absolutamente feliz lá. Por exemplo, depois de somente ter conhecido estas pessoas há quatro horas, sentei-me e disse "Sou homossexual". Eles disseram "Tudo bem" e durante o dia e meio seguinte nada mais dissemos. Nem ligaram ao facto de eu ser homossexual. Ainda se preocupavam comigo, ainda falavam comigo, não fez qualquer diferença. Antes de ter ido para o aconselhamento, troquei correspondência com um conselheiro homossexual, pelo que já todos sabiam que eu era homossexual. Mais uma vez não me preocupei com isso. Sei que ainda vais ficar por cá, mas não tens de te esconder. Mesmo aqui ainda podes ser feliz!

 

Já te pensaste em matar, mas na realidade não o queres fazer. Somente queres fazer parecer que te queres matar. Somente queres chamar as atenções sobre ti. Tens de te encher de esperanças de poderes viver uma vida feliz. Acredita-me, já aí estive. Pensei em espatifar o carro, mas isso teria sido muito caro.

 

Já pensaste em fugir, mas não sabes para onde ir. Não sabes para onde ir, onde não sejas descoberto. Já pensaste em deixar uma mensagem aos teus pais e a não regressares até eles te darem um sinal de que tudo estava bem a respeito de seres homossexual. Sei que já pensaste nisto tudo. Eu também o fiz, mas por uma razão ou outra algo me puxou para outro lado.

 

Não posso saber tudo o que pensaste ou o que fizeste, eu e tu não somos a mesma pessoa. Sei que já estás para além de algumas destas reflexões, mas sei que já pensaste nelas. Escrevo-te para te dizer que não estás sózinho, que tudo se irá recompor.

 

Não te peço uma resposta. Somente te quero ajudar.

 

Teu amigo, JC»

 

Tradução e adaptação: José Leote (Rumos Novos)

 

13 de Agosto, 2018

Morreu António Alves Vieira, ator e ativista dos direitos LGBTI

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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O ator e ativista dos direitos LGBTI, António Alves Vieira, pôs fim à sua vida a 11 de Agosto de 2018, aos trinta anos de idade.

 

Nascido em Marco de Canavezes, estudou na Academia Contemporânea do Espectáculo do Porto. Mais tarde rumou a Paris para aperfeiçoar os seus conhecimentos artísticos, na École International de Theatre Jacques Lecoq.

 

Trabalhou como ator em várias companhias, como o Teatro do Bolhão, o Centro Dramático de Viana/Teatro do Noroeste, Teatro das Beiras, Terra na Boca.

 

Trabalhou também como produtor e fez espectáculos por sua iniciativa, com textos escritos para si. Participou entre outros, no filme “A rapariga da máquina de filmar”. Na televisão integrou o elenco de séries e novelas. Era formador de teatro, de interpretação e de movimento.

 

Estava atualmente a trabalhar no projeto de interpretar um texto escrito pela Regina Guimarães.

 

Além de ator, era também poeta, tendo publicado um livro de poemas.

Ativista do movimento LGBTI em Portugal, António Alves Vieira era um militante ativo das Panteras Rosa e um impulsionador da Marcha do Orgulho LGBT do Porto.

 

Foi criada uma página no facebook em memória do António Vieira, onde poderão deixar as vossas mensagem, clicando aqui.

 

À família enlutada por este trágico desfecho, a Rumos Novos - Católicas e Católicos LGBT endereça os seus mais sentidos pêsames.

07 de Agosto, 2018

É bíblico o casamento civil para uma vida conjugal?

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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O presente artigo não pretende defender a banalização do sexo, pelo contrário, pretende ser uma reflexão contra a opressão religiosa imposta aos casais que não formalizaram juridicamente a sua união. Geralmente, as igrejas cristãs rotulam a vida conjugal antes do casamento civil como fornicação/prostituição, praticando clara aceção de pessoas, privando casais de desenvolver lideranças ministeriais ou de participar em determinados ritos eclesiásticos, como o batismo e a comunhão. Mas seria bíblica esta doutrina?

 

Analisaremos os principais textos utilizados para defender uma vida conjugal apenas após a formalização do casamento civil.

 

Para solucionarmos esta questão, é necessário fazermos uma pergunta: havia casamento civil na Bíblia? A resposta é NÃO. Nem no Antigo e nem no Novo Testamento[1]. Logo, a Bíblia não exige que duas pessoas se unam civilmente para serem reconhecidas como casadas. Tal exigência das igrejas cristãs é recente[2], já que o casamento civil foi institucionalizado na primeira metade do século XIX. Poderia a Bíblia condicionar a vida conjugal a um contrato jurídico criado séculos depois de ter sido escrita? Obviamente que não! É como dizer que a Bíblia condena a lacação das trompas e a vasectomia com base no Génesis 1,28.

 

Na sociedade bíblica, o que havia era um acordo entre o pai da noiva e o interessado em desposá-la. Esse contrato – de natureza verbal – exigia o pagamento de um dote – normalmente alto – ao pai da rapariga. É importante ressaltar que as filhas eram consideradas propriedades do pai. O noivo praticamente comprava uma esposa. Consentimento por parte da rapariga era algo que não existia![3] Hoje, o acordo já não é entre famílias, mas entre as duas pessoas que desejam constituir um lar. Não havia casamento religioso entre os judeus, mas uma festa que durava 7 dias. Detalhe: o sexo acontecia antes da festa, quando os noivos, já devidamente instalados na câmara nupcial, consumavam a união. A partir de então, dava-se início aos festejos. O casamento consistia numa vida em comum, na mesma casa, e o ato sexual determinava a unidade do casal, ou seja, o casamento em si (Comparar Génesis 2,24 com 1 Coríntios 6,16). Não há nas Escrituras nenhuma menção a algum documento equivalente a uma certidão de casamento. O único documento relativo ao casamento somente era redigido em caso de divórcio, e consistia numa carta de repúdio com a qual o homem se separava formalmente de sua mulher (Deuteronómio 24,1).

 

Ou seja, utilizar as Escrituras para acusar de fornicação um casal que não formalizou num cartório o seu casamento é uma incoerência e demonstra total desconhecimento de como ocorria o casamento na Bíblia. A palavra casamento significa vida em comum numa mesma casa. E é esse o sentido que a Bíblia apresenta. Se não, vamos confirmar:

 

10«Quando fores à guerra contra os teus inimigos e o SENHOR, teu Deus, os entregar nas tuas mãos e fizeres prisioneiros, 11se vires entre os prisioneiros uma mulher de bela aparência, que te agrade e com quem desejes casar, 12leva-a primeiro para tua casa. Ela rapará a cabeça, cortará as unhas, 13tirará a sua roupa de prisioneira, permanecerá em tua casa e chorará durante um mês inteiro o seu pai e a sua mãe. Depois disto, poderás unir-te a ela, serás seu marido e ela será a tua mulher. 14Se ela não te agradar, deixa-a partir à vontade, mas não poderás vendê-la por dinheiro nem maltratá-la, porque a oprimiste.» (Deuteronómio 21, 10-14)

 

Percebe-se, no texto acima, que o casamento começa a partir do momento em que a mulher é levada à casa do homem e o ato sexual acontece. Ou seja, os casamentos realizados na época bíblica não seriam reconhecidos nos dias de hoje pela Igreja!

 

Alguns utilizam 1 Coríntios 7,9 como prova bíblica de que o sexo só deve ocorrer depois do casamento civil. Uma vida conjugal antes da formalização jurídica da união é considerada fornicação[4]/prostituição. Vamos ao texto:

Aos solteiros e às viúvas digo que é bom para eles ficarem como eu. Mas, se não podem guardar continência, casem-se; pois é melhor casar-se do que ficar abrasado (1 Coríntios 7,8,9).

 

Paulo não está falando para pessoas comprometidas[5], mas a solteiros e viúvas. O contexto imediato (capítulos 5 a 7) indica que tais pessoas viviam sob o risco da prostituição, pecado que caracterizava a cidade de Corinto (6,16-20). Nesta perícope, Paulo apresenta as suas recomendações como concessão, não como mandamentos do Senhor, (v.6-9). Quanto aos casados, sim, os imperativos são divinos (v.10). Esta informação basta para que este texto não seja utilizado como um imperativo bíblico em relação ao casamento civil.

 

O casamento é apresentado por Paulo como caminho a ser trilhado por pessoas que apresentavam dificuldade em conter-se sexualmente. Ele diz que o casamento é melhor que uma vida de desejos irrefreados que, naturalmente, conduziriam à tentação pelo sexo ilícito: especialmente a prostituição – v.5. Para Paulo, é melhor que os cristãos aliviem suas tensões sexuais dentro do casamento[6], uma vez que estavam cercados pela imoralidade sexual do mundo gentílico (Conferir 1 Tessalonicenses 4,3-7).

 

O caso da mulher samaritana

Respondeu-lhe Jesus: «Vai, chama o teu marido e volta cá.» A mulher retorquiu-lhe: «Eu não tenho marido.» Declarou-lhe Jesus: «Disseste bem: ‘não tenho marido’, pois tiveste cinco e o que tens agora não é teu marido. Nisto falaste verdade.» João 4,16-18.

 

A mulher samaritana tivera cinco maridos e agora relacionava-se informalmente com outro homem. O texto nada prova sobre vida conjugal antes do casamento pois o narrador não expõe as circunstâncias daquele relacionamento. É bastante razoável que o seu pecado fosse o sexo fora do casamento e não o sexo antes do casamento. É provável que aquele homem fosse um amante e que não morasse com ela. A resposta da mulher a Jesus (Não tenho marido) reforça essa interpretação.

 

Hebreus 13, 4
Seja o matrimónio honrado por todos e imaculado o leito conjugal, pois Deus julgará os impuros e os adúlteros. Hebreus 13,4

 

O texto é um elogio à sacralidade do matrimónio que se mantém puro e um alerta contra o adultério e a prostituição. O autor inspirado não vincula matrimónio ao que chamamos de casamento civil. Até porque o matrimónio aqui apresentado era aquele constituído de acordo com a cultura judaica.

 

Conclusão

 

É salutar recomendar o casamento civil, especialmente para que os envolvidos possam usufruir dos direitos por ele proporcionado. A Bíblia respeita e encoraja o casamento, porém não diz que Deus o considera válido apenas quando oficializado num cartório. Assim, casais que vivenciam a intimidade conjugal sem os protocolos do casamento civil não estão em promiscuidade, prostituição ou outro tipo de pecado sexual. As igrejas que discriminam esses casais, interferem na sua decisão pessoal, muitas vezes forçando-os a uma atitude não planeada, tomada apenas para serem aceites, não por convicção mútua.

 

Artigo original: Alexandre Feitosa.

Adaptação: José Leote

 



[1] O casamento civil foi instituído na Europa a partir de 1836, sendo introduzido em Portugal pelo Código Civil de 1867.
[2] Antes do casamento civil, era o casamento religioso que oficializava as uniões. Por exemplo, em Portugal até 1867, quem se queria casar só o poderia fazer pela Igreja Católica.
[3] O casamento mediante consentimento dos noivos só começou a ser formalizado em 1140 com o Decreto de Graciano (em latim Decretum Gratiani ou Concordia discordantium canonum), obra escrita pela Igreja e que tratava de questões relativas ao direito canónico.
[4] É importante ressalvar que a palavra fornicação não consta nas Escrituras. É uma tradução do grego porneia (relações sexuais ilícitas como a prostituição e o adultério). Fornicação vem de fornice – palavra latina e não grega – que designava os arcos romanos onde as mulheres se expunham para a prostituição. Da prática de prostituição, a palavra chegou a significar o sexo entre pessoas solteiras, descompromissadas. Logo, fornicação é promiscuidade. Atribuir o pecado de fornicação a casais comprometidos constitui-se uma acusação injusta e sem a mínima base bíblica.
[5] Os conceitos de namoro e noivado não existiam na época do Apóstolo. A jovem era prometida em casamento (desposada), mediante pagamento de dote e esperava cerca de um ano até que o noivo a buscasse para consumar o casamento. A lua de mel durava normalmente 7 dias, apenas após esse período os cônjuges apareciam aos convidados para receber os presentes.
[6] Por exemplo, se alguém diz, que carne branca é melhor que carne vermelha, não necessariamente estará dizendo que não se deve comer carne vermelha, apenas dizendo que a carne branca é melhor. O mesmo raciocínio se aplica ao versículo em questão.

01 de Agosto, 2018

50 Anos de Humanae Vitae

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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"Ao longo dos últimos 50 anos, biliões de católicos leram ou foi-lhes ensinado o que a Hmanae Vitae diz sobre o uso da contraceção e a maior parte deles, após consideração prudente, rejeitaram estes ensinamentos". Quem o afirma é Colm Holmes, presidente da Nós Somos Igreja - Internacional. E continua: "A maioria procedeu dessa forma, acreditando que permanecem bons católicos. Ao procederem dessa forma, estabeleceram na nossa Igreja um novo nível de autoridade. Acreditamos ser este o verdadeiro significado deste aniversário."

 

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Holmes sublinhou: "Ao proclamarem a sua própria autoridade em tomarem decisões sobre o modo como as suas famílias se devem desenvolver, os leigos católicos falam frequentemente da paz que viveram ao chegarem a estas conclusões. Com o passar do tempo, as conversas sobre isto com os sacerdotes e outros ministros acabaram por convencer uma ampla maioria deles a apoiar as decisões dos leigos. A autoridade moral da hierarquia já não é tida como absoluta.

 

"A contraceção está longe de ser o único tema onde os leigos católicos rejeitam o ensinamento oficial," continuou Holmes. "Os leigos apoiam a ordenação das mulheres, a possibilidade do voltar a casar-se após o divórcio, a bondade das pessoas gays, lésbicas, bissexuais e transgéneros e, como bem o vivemos na Irlanda, mesmo que as mulheres devem ter o direito legal ao aborto. Reconhecemos a gravidade destes temas morais, compreendemos os valores chave da nossa fé e, mesmo assim, chegamos a uma conclusão diferente dos responsáveis da igreja."

 

Holmes disse: "Ao refletirem sobre os 50 anos desde o aparecimento da Humanae Vitae, esperamos e rezamos para que os responsáveis da nossa igreja compreendam que os leigos têm uma voz importante na moldagem dos ensinamentos e políticas da igreja. Deveríamos ter um papel no debate e na formulação de ensinamentos. O dogma que não tenha em consideração as nossas experiências e sabedoria tem uma forte possibilidade de ser rejeitado, abrindo ainda mais o fosso entre a igreja e a sua liderança e minando a capacidade da nossa igreja em realizar a sua missão. A Humanae Vitae ajudou as pessoas da igreja a encontrarem a sua voz e já não permaneceremos calados."