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Caro Papa Francisco,
Escrevo-lhe depois de escutar as suas palavras no Fórum Italiano das Associações Familiares: "A família, a imagem de Deus, é uma só, aquela que une um homem e uma mulher".
Eu sou mãe de um rapaz homossexual. O meu marido e eu casámo-nos há 39 anos e vivemos juntos com os nossos dois filhos, Marco e Emanuele, aquela bela aventura, como a chama, que é a família. Uma aventura em que crescemos juntos, inclusive através das dificuldades. Há dois anos, fomos confrontados com a inesperada comunicação do Emanuele. Poderíamos continuar a viver tranquilamente a nossa vida sentindo-nos "bem", com os nossos muitos compromissos: na comunidade base, voluntariado com os imigrantes, estudo da Bíblia... mas, não. O facto de um filho se assumir, coloca-te de volta ao jogo, tudo muda e é contagioso: nós, pais, também tivemos que nos assumir, quebrando aquela esfera de hipocrisia que gostaria que "daquela parte" do teu filho não se falasse. Foi em 7 de maio de 2016, naquele dia eu dei à luz o Emanuele pela segunda vez. Escrevo-lhe porque as palavras que pronunciou abriram uma ferida em mim. E é preciso dar palavra à dor para que ela não se torne raiva e rancor.
Se o amor entre mim e o meu marido é a imagem de Deus, como é que imagina que nós possamos resignar-nos ao pensamento de que o amor de Emanuele por um rapaz nada possa expressar daquela imagem de Deus?
Não, o nosso amor nunca poderá expressar a imagem de um Deus que seja estranho e distante do amor entre Emanuele e o seu companheiro. Se o amor deles não for a imagem de Deus, nem mesmo o nosso será. Porque nós não conhecemos tal Deus. Nós conhecemos um outro, aquele de que falava Jesus. Um Deus participativo, que escolhe partilhar o caminho de um povo de escravos, que se torna cúmplice dos pequenos, que se alia com aqueles que estão à margem dos poderes políticos e religiosos de todos os tempos, um Deus que irradia amor, contra toda a razoável economia, capaz de livrar-se da sua omnipotência para voltar às suas criaturas como um pedinte de amor, para solicitar uma livre resposta de amor.
Quando muito, caso sejamos capazes de expressar um pequeno pedaço daquela imagem, do Deus de Jesus nas nossas vidas de indivíduos e de casais, através dos nossos amores, todos imperfeitos, "dentro da norma" ou "fora da norma" que sejam, deveríamos fazê-lo na ponta dos pés, sem estardalhaço, sem exibir aquela imagem, porque a imagem de Deus não pertence nem a nós, nem a ninguém. Não se deixa encurralar, escapa às tentativas dos homens de possuí-la e usá-la, dobrando-a aos seus próprios interesses.
Foge dos palácios dos poderosos para ser encontrada no último entre os seres humanos, o mais indigno, o mais esquecido, o mais marginalizado e sozinho, para que naquela imagem possa reconhecer-se e, redescobrindo aquele pequeno toque de divino que lhe foi insuflado por dentro, possa ousar expressá-la na sua vida.
Caro Papa Francisco, vivemos na Itália uma fase histórica e política muito difícil, que preocupa os pais de rapazes e raparigas LGBT. Em muitas ocasiões, o senhor foi capaz de dizer palavras de esperança. Não nos deixe sós com os nossos medos.
Dea Santonico
NOTA:
Carta publicada no jornal italiano La Repubblica em 08-08-2018.