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Associação RUMOS NOVOS - Católicas e Católicos LGBTQ (Portugal)

Somos católic@s LGBTQ que sentiram a necessidade de juntos fazerem comunhão, partilhando o trabalho e as reflexões das Sagradas Escrituras, caminhando em comunidade à descoberta de Deus revelado a tod@s por Jesus Cristo.

27 de Março, 2019

Ser um cristão ou uma cristã gay pode ser doloroso e cansativo. Mas eu recuso-me a perder a fé.

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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»Muitos cristãos e cristãs LGBT têm histórias desagradáveis para contar, se não piores ainda. Então por que razão nos damos ao trabalho de regressar a estes lugares e para junto de pessoas
que nos magoaram?» Fotografo: Desmond Boylan/AP

 

Eu estava recentemente a assistir a um espetáculo de comédia no Soho, quando o meu riso alto demais chamou a atenção da comediante. Uma coisa levou à outra e acabei sendo provocada afavelmente sobre a minha vida amorosa, enquanto a plateia ria.

 

Quando a minha excitação por ter falado com uma das minhas comediantes favoritas - Mae Martin, se estiverem curios@s - se tinha esfumado, apercebi-me de que alguma coisa verdadeiramente significante tinha acontecido. Tinha dito, «Tenho uma namorada» frente a uma sala cheia de pessoas sem nunca ter pensado nisso.

 

É garantido que isso não é um momento para interessar a imprensa. Afinal de contas, Mae Martin é uma artista queer. Em teoria sou uma lésbica forte e independente que não se importa com o que @s outr@s pensam. Porém, qualquer pessoa gay que já experimentou aquele bichinho da ansiedade antes de anunciar a sua condição irá compreender.

 

A cereja no topo de bolo, quando tinha 18 anos, foi fazer confidências a um padre acerca da minha sexualidade. Ele informou-me delicadamente que os meus sentimentos provinham do inferno.

 

Saí do armário há quase cinco anos e a maioria das pessoas com as quais interajo não se podiam estar mais nas tintas acerca do género da pessoa com quem estou a namorar. A minha família e amigos adoram a minha namorada e já não tenho dúvidas pessoais acerca da minha identidade sexual. Contudo, mesmo quando tenho 90% de certeza de que a pessoa com quem estou a falar me aceitará, ainda fico com aquele nó na garganta mesmo antes de dizer as palavras «gay» e «namorada» a alguém que acabei de conhecer.

 

Crescer na igreja tem desempenhado um papel importante nestas inseguranças. A cereja no topo de bolo, quando tinha 18 anos, foi fazer confidências a um padre acerca da minha sexualidade. Ele informou-me delicadamente que os meus sentimentos provinham do inferno e teve o desplante de partilhar a nossa conversa - que eu julgava ser confidencial - com toda a igreja, no domingo seguinte como parte do seu sermão sobre a «imoralidade sexual».

 

Numa outra ocasião houve um paroquiano que combinou encontrar-se comigo para irmos tomar café somente para me dizer que precisava arrepender-me e houve ainda o amigo que, no Natal, me trouxe um livro sobre «terapia de conversão». E podia continuar.

 

A maioria dos cristãos e cristãs LGBT com @s quais me tenho cruzado têm histórias similares para contar, se não piores. Então por que nos incomodamos a regressar a esses lugares e pessoas que nos magoaram? A resposta simples é que ainda acredito num Deus de amor e ainda tenho fé de que os pontos de vista irão evoluir e as coisas melhorarão.

 

Não espero necessariamente que os não cristãos e as não cristãs compreendam isto. Muitas pessoas LGBT têm sido magoadas pela igreja. Painéis de «Vão para o inferno» podem ver-se nas paradas gays, as «terapias de conversão» e alguns políticos não têm dado uma boa reputação dos cristãos e das cristãs junto da comunidade LGBT. Durante a minha licenciatura basicamente deixei de ir à igreja porque parecia que todos os cristãos e as cristãs eram evangélicos anti-gay empedernid@s.

 

Há um tempo e um lugar para aquilo a que chamo «ativista que vai à igreja»: ir a uma igreja onde sabes que não serás aceite somente para lhes lembrar que os católicos e as católicas LGBT existem. Eu posso trabalhar a resistência para fazer isso de vez em quando, mas pode ser incrivelmente esgotante colocarmo-nos constantemente num ambiente onde verdadeiramente não somos bem-vind@s.

 

Na maior parte do tempo, contudo, a única forma de navegarmos pelo mundo como um cristão ou uma cristã LGBT é encontrar apoio. Ser parte de grupos como a Rumos Novos - Católicas e Católicos LGBT mostrou-me que havia um futuro para pessoas como eu. Conhecer cristãos e cristãs que estão felizes em relacionamentos do mesmo sexo - alguns mesmo casados e com filhos - mostrou-me que o modelo do matrimónio cristão que me foi matraqueado durante toda a minha infância não era a única opção. Agora, a minha namorada e eu vamos a uma igreja em Londres que acolhe as pessoas LGBT onde, pela primeira vez em muito tempo, me sinto acolhida.

 

Quem me dera poder prometer que as pessoas LGBT seriam aceites se fossem a uma igreja. Contudo muitos cristãos e cristãs têm ainda um longo caminho pela frente antes de puderem viver verdadeiramente o «amar o próximo como a ti mesmo.

 

Contudo, aceitação e tolerância precisa de ser de ambos os lados.  Um relatório do ano passado da Stonewall mostrou que um em cada dez cristãos e cristãs LGBT sentiram discriminação devido à sua fé originada na comunidade LGBT. Isto pode ir desde a criação de uma atmosfera na qual é vergonhoso admitir-se que se é uma pessoa de fé, passar pela agressão direta até às perguntas insistentes sobre aquilo em que acreditamos ou não.

 

Compreendo-o - muitas pessoas LGBT têm razão para não gostar dos cristãos e das cristãs, mas temos de parar de afastar as pessoas somente porque elas não encaixam numa determinada caixa. Temos de tentar compreender as nossas diferenças e, mesmo assim, estar juntos em solidariedade.

 

A comunidade LGBT fá-lo, algumas vezes, de forma errada, mas quando o fazemos da maneira certa representamos uma abordagem radical, incondicional e sem julgamentos ao amor. E não é exatamente isso que a Igreja proclama promover?

 

Fonte: The Guardian

25 de Março, 2019

As conversas com as pessoas LGBT são sinal de nova vida na igreja

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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«Quem sou eu para julgar?»

Estas cinco palavras, ditas pelo Papa Francisco em julho de 2013, foram um momento de separação das águas para a igreja. Tratou-se de um momento de contraste gritante em relação ao tom do seu predecessor, o Papa Bento XVI, que se tinha referido ao «mal moral intrínseco» e à «desordem objetiva» da «atração pelo mesmo sexo».

 

O comentário do Papa Francisco é um momento influenciador numa história de uma aceitação mais ampla das pessoas LGBT através da sociedade nos últimos cinco anos. Por exemplo, 63% dos americanos pensa que a homossexualidade deveria ser aceite pela sociedade e 70% dos católicos estão igualmente de acordo. Dois anos após a afirmação do Papa Francisco, o Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos garantiu o direito ao casamento para os casais do mesmo sexo. Como é que a hierarquia da igreja católica respondeu?

 

Apesar do tom compassivo do Papa, muitas pessoas tanto gays como héteros acham difícil conciliar uma atitude acolhedora com os ensinamentos oficiais da igreja que condena os atos homossexuais e com afirmações de bispos e padres que refletem uma atitude mais beligerante em relação à comunidade LGBT. Embora muitos passos tenham sido dados para atravessar o fosso entre católic@s LGBT e a sua igreja, a maioria concorda que: ainda há muito trabalho pela frente.

 

 

Uma mudança de tom

A compaixão do Papa Francisco imita o tom pastoral que tem sido infundido a todo o seu papado, criando um ambiente que é mais aberto ao diálogo. Ele utiliza a palavra gay e fez passar mensagens de apoio e acolhimento às pessoas LGBT. Encontrou-se com um antigo estudante gay na sua visita aos Estados Unidos em 2015. Pediu aos cristãos que pedissem desculpa às pessoas gays pelas ofensas cometidas ao longo da história.

 

«O Papa Francisco não está a criar uma revolução, mas o que ele está a fazer está a criar o espaço no qual o Espírito Santo pode falar e ser escutado,» explica o Pe. Bryan Massingale, professor de ética teológica e social na Universidade de Fordham e uma voz sincera em prol do acolhimento das pessoas LGBT, particularmente a comunidade transgénera. «Embora não tenha havido qualquer mudança oficial na doutrina da igreja, sob o papado do Papa Francisco há uma maior liberdade em lidar com assuntos do domínio da ética e da moral sexuais de uma forma mais aberta do que houve durante os papados anteriores.»

 

O Papa Francisco nomeou igualmente bispos, que partilham a sua ênfase do cuidado pastoral, para cargos importantes, incluindo o Cardeal Joseph Tobin, arcebispo de Newark. Em maio de 2017 Tobin realizou uma missa de acolhimento para @s católic@s LGBT na Basílica do Sagrado Coração em Newark. (Tobin não celebrou a Missa e saiu antes do serviço devido a um compromisso anterior.) O cardeal Blase Cupich, arcebispo nomeado de Chicago pelo Papa Francisco em novembro de 2014, convocou sessões de escuta com católicos LGBT para fomentar o diálogo e limitar os sentimentos de alienação.

 

O padre jesuíta James Martin encontra-se entre os defensores mais audíveis, na hierarquia da igreja, para um diálogo compassivo entre @s católic@s LGBT e a igreja. Em 2017 publicou Construindo uma Ponte para desencadear a conversa entre os dois lados. Ele acredita que os encontros de Francisco demonstram uma mudança notável por parte da igreja nos últimos cinco anos. «[A Missa de acolhimento] não teria acontecido há cinco anos simplesmente porque o Cardeal Tobin não estava em Newark,» afirma Martin. «O Cardeal Cupich pretende ter audições com @s católic@s LGBT. Isso não teria acontecido porque ele não era o arcebispo de Chicago há cinco anos atrás.»

 

 

A inconsistência abunda

Embora as palavras e ações de certos bispos tenham sido uma mudança acolhedora para muit@s católic@s LGBT, a hierarquia da igreja não está unida em assuntos LGBT. «Ainda que a influência dos bispos tenha ajudado a criar espaços seguros e a capacidade para o diálogo onde esta não existia há 5 ou 10 anos atrás, a igreja institucional não parece estar a par com o que se passa na sociedade,» diz Arthur Fitzmaurice, um católico leigo que vive em Atlanta e que dá palestras e workshops sobre o ministério com pessoas LGBT. «O Papa Francisco fez muitos comentários sobre ser pastoral primeiro, mas há padres e bispos que não estão a ser pastorais com as pessoas nas suas paróquias e dioceses.»

 

Em contraste com as ações de acolhimento por parte do arcebispo Tobin ou Cupich, outros bispos e padres afinam por um diapasão bem diferente. Há novas diretrizes de que os funerais podiam ser negados a pessoas LGBT, bem como a Eucaristia. Um bispo chegou mesmo a realizar um exorcismo em resposta à legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 2013.

 

Massingale vê duas formas de olharmos para esta inconsistência dentro da igreja. A primeira oferece um ponto de vista mais positivo e olha para as experiências de outros grupos cristãos que tiveram uma posição de maior aceitação em relação às pessoas LGBT, tal como as igrejas Episcopal, Presbiteriana, Metodista e Luterana. «Todas elas passaram por um período de muita confusão marcado por uma divergência de opinião e desentendimento aberto sobre a abordagem da questão,» afirma ele. «Não podemos esperar que a experiência católica seja diferente. As diferenças que vemos entre os responsáveis da igreja fazem parte de um processo normal de chegada a um sítio diferente.»

 

Ele reconhece igualmente que a discordância pode ser desconcertante para as pessoas sentadas nos bancos da igreja. «Estamos habituados a vivermos com a ideia de que os responsáveis da igreja agem todos da mesma forma ou usam a mesma voz,» afirma Massingale. «Penso que isto é um chamamento para que nós católicos aceitemos a realidade na qual vivemos numa igreja que se encontra no meio de uma mudança e desenvolvimento hesitantes, mas reais. De que forma ajudamos os fiéis a compreenderem que isto não é algo que seja inteiramente novo na história da igreja?»

 

Estas mensagens do púlpito têm efetivamente uma influência real nas pessoas sentadas nos bancos da igreja. Javier e Martha Plascencia tornaram-se ativos no ministério LGBT depois de o seu filho ter saído do armário como gay e abriram a sua casa como forma de apoiarem grupos para pais e familiares na zona de Los Angeles. Especialmente para a comunidade latina, explicam, as palavras vindas dos padres e bispos têm uma verdadeira autoridade. «Vimos pais a chorar dizendo "Tive um padre a dizer-me que o meu filho ia para o inferno",» diz a Martha. «As pessoas estavam muito gratas que estivéssemos a falar sobre amar e abraçar os seus filhos.»

 

 

Outros tipos de exclusão

Kristen Ostendorf ensinou na Totino-Grace High School em Fridley, Minnesota durante 18 anos, como professor de inglês, ministro do campus e leitor. Em 2013 a direção da escola descobriu que o diretor da escola estava num relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo e ele demitiu-se. Como resposta, Ostendorf, que tinha saído há cerca de sete anos para a família e amigos, disse à faculdade que estava num relacionamento com outra mulher. Foi despedida no dia seguinte.

 

«É difícil para mim acreditar que a igreja mudou, principalmente porque as pessoas que conheço estão muito temerosas em relação ao futuro das crianças LGBT que ensinam ou exercem o seu ministério,» afirma Ostendorf, que ensina agora numa escola pública em St. Paul, no Minnesota. «Têm muito medo pelos colegas que são gays. Estão bem conscientes de que os seus empregos podem terminar imediatamente se alguém descobrir quem eles são e quem amam.»

 

Nos Estados Unidos, aproximadamente 70 pessoas foram despedidas de instituições católicas desde 2007 por razões relacionadas com a sua orientação sexual. Os despedimentos de lugares católicos realçam ainda mais a inconsistência da mensagem. Certamente que nem todos os professores gays são despedidos e as decisões, frequentemente, não refletem os pontos de vista dos estudantes ou da comunidade local.

 

À medida que os responsáveis mudam, também o pode fazer o tom para o diálogo com as pessoas LGBT, em certas áreas. Marco Cipolletti tem estado ativo no ministério com as pessoas LGBT na paróquia de St. Peter, em Carlotte, Carolina do Norte (EUA) durante várias administrações. O falecido bispo William Curlin serviu a diocese de Carlotte de 1994 a 2002 e parte deste trabalho incluiu o realizar audições para pais com filh@s LGBT.

 

O seu sucessor não deu continuidade às audições. «Estas experiências são danosas e algumas pessoas dizem 'Esqueçam a igreja' e vão-se embora,» diz Cipolletti.

 

Quanto as retiradas de convites e os despedimentos são filtrados através da imprensa, isso não somente causa dano às relações no interior da igreja, mas pode igualmente ser prejudicial ao modo como aquel@s fora da igreja entendem os católicos e o catolicismo. «Quando os bispos dizem coisas intolerantes e estes erros chegam aos escaparates, isso dá aos não católicos uma razão para não se envolverem com a igreja,» afirma Fitzmaurice. «Muitas vezes as pessoas dentro da igreja já se decidiram. Muit@s católic@s praticantes ficarão na igreja independentemente daquilo que qualquer bispo diga. Se o bispo concorda com el@s, sentir-se-ão reforçados; mas se discordarem sentirão que o bispo está fora do alcance.»

 

 

De baixo para cima

De acordo com o Pew Research Center sobre Religião e Vida Pública, 70% dos católicos acreditam que a homossexualidade deve ser aceite, incluindo 85% dos católicos com idades compreendidas dos 18 aos 29 anos. Esta aceitação parece estar a crescer e a iniciar-se a partir dos bancos da igreja, em vez de descer a partir do topo da igreja (apesar do exemplo pastoral do Papa Francisco).

 

Yunuen Trujillo foi voluntário para o ministério católico com as pessoas lésbicas e gays (CMLGP) na arquidiocese de Los Angeles, nos últimos quatro anos e acredita que uma mudança significativa é mais frequentemente originada nos leigos.  «Está a acontecer de baixo para cima,» diz ela. «A minha paróquia começou um ministério LGBT e a comunidade tem feito perguntas. Algumas pessoas não estão contentes com isso e outras estão, mas só o facto de estarem a começar a fazer perguntas já é uma coisa boa, pois é assim que se começa o diálogo.»

 

Parte da razão para as mudanças na atitude nos bancos da igreja é porque a sociedade criou uma atmosfera mais acolhedora, mais pessoas saíram do armário, o que significa que é provável que cada vez mais pessoas conheçam alguém que se identifica como sendo LGBT. Em 2013, 75% dos americanos afirmaram ter um amigo, familiar ou colega de trabalho que lhes tinha dito ser gay.

 

Para além disso, 92% dos americanos LGBT estão de acordo que ao longo dos últimos 10 anos a sociedade tornou-se mais tolerante em relação a essas pessoas. «À medida que cada vez mais católicos LGBT tornam pública a sua sexualidade e a sua identidade, mais famílias são afetadas, mais padres e agentes da pastoral são afetados e, por sua vez, mais bispos são afetados.»

 

Ostendorf concorda com esta firmação, explicando que ela cresceu nos anos 70 do século passado quando era menos aceitável ser-se quem se era em público. «É minha perceção de que há uma maior faixa de católicos praticantes que estão mais sensibilizados quando falamos de pessoas LGBT e mais dispostos a estar nessas áreas cinzentas e a falar com essas pessoas, provavelmente porque há mais pessoas que são gays e que dizem: 'OK, est@ sou eu',» diz ela. «Há muitas comunidades que dizem 'Aqui estão os nossos irmãos gays e as nossas irmãs lésbicas, aqui estão os seus companheiros e companheiras e filh@s e estamos nisto tod@s junt@s'.»

 

 

Encontrar o diálogo verdadeiro

O que atravessa muitas conversas com católi@s LGBT e a premissa do livro Contruir uma Ponte do Pe. Martin é um chamamento consistente ao diálogo entre católic@s LGBT e a igreja institucional. Cipolletti descreve uma trégua instável em Charlotte (EUA) entre o ministério com pessoas LGBT e o bispo. «Não nos encontramos regularmente. Temos esperança que no futuro ambos os lados da ponte se possam abrir.» diz ele.

 

Trujillo acredita que o diálogo deveria olhar para além das pessoas LGBT como tópico e centrar-se na pessoa no seu todo. «Temos tendência em esquecer que a sexualidade ou a orientação é somente uma pequena parte de quem é a comunidade LGBT,» diz ela. «As pessoas LGBT têm testemunhos maravilhosos de fé e penso que quem quer que seja que oiça as suas histórias concordará que estas não são pessoas a quem negássemos os sacramentos ou outras coisas.»

 

Uma razão pela qual a frase do Papa Francisco «Quem sou eu para julgar?» foi tão inovadora foi porque ele usou a palavra gay. O diálogo beneficiará com o uso das palavras que as pessoas LGBT usam para se referirem a si mesmas. «Penso que é importante chamar um grupo por aquilo que ele pede para ser chamado,» afirma Martin. «Se o Papa Francisco pode usar o termo gay, o mesmo podem fazer as outras pessoas.»

 

Fitzmaurice cita uma vez em que um bispo o convidou para falar na diocese, mas pediu-lhe que intitulasse a palestra «atração pelo mesmo sexo» como oposto a LGBT ou gay. «Antes da palestra ele saiu e perguntou-me 'Por que razão quer dizer gay?'» recorda-se Fitzmaurice. «Quando conversámos sobre isso, isso fez uma grande diferença para ele, porque quando me apresentou no workshop, utilizou as palavras gay e lésbica.»

 

Diálogo e abertura são importantes não somente entre os católicos leigos e os responsáveis ordenados, mas igualmente nos relacionamentos entre amigos e família. Massingale recorda-se de uma interação que teve com um pai: «Lembro-me de uma história maravilhosa na qual um pai disse-me, com lágrimas nos olhos, 'tinha tanto medo que tivesse que escolher entre ser católico e amar o meu filho. Mostrou-me que posso ser ambas as coisas. Estava preparado para abandonar a igreja católica, porque nem por sombras iria deixar de amar o meu filho'. Este é o tipo de vozes que precisamos de escutar mais vezes. Se ouvíssemos estas vozes de pessoas católicas sinceras, comprometidas e leais, então penso que a nossa igreja teria encontrado um caminho para uma posição que, de forma mais adequada, reflita a vida e o ministério de Jesus.»

 

 

Uma 'primavera antecipada'

Embora não seja provável que o ensino oficial sobre ética sexual ou matrimónio venha a mudar a breve trecho, existe a esperança que os católicos continuem a falar sobre o assunto.

 

«Penso que seria um grande passo para a igreja afirmar 'Reconhecemos que existe amor entre muitas pessoas na igreja, não somente entre as pessoas heterossexualmente casadas, que é o reflexo do tipo de amor que Jesus proclama',» afirma Fitzmaurice.

 

Uma leitura atenta do evangelho de Jesus revela o seu exemplo em alcançar @s que estão nas margens. «Algumas vezes esquecemo-nos do evangelho quando falamos sobre este tópico,» diz Trujillo. «Esquecemo-nos que Jesus encontrou as pessoas exatamente onde elas se encontravam e não disse, 'Dai algum peixe a estas pessoas, mas não àquelas',»

 

Porém a mensagem de amor nem sempre chega aos jovens, especialmente à medida em que educadores e outros funcionários continuam a ser despedidos devido à sua orientação sexual. «Isto diz a esses jovens, 'Vocês não têm futuro nesta igreja. Não digam em voz alto quem são e, se o fizerem, vamos correr com vocês.' Esta não é uma igreja de Cristo, não pode ser,» afirma Ostendorf. «Existem muitos de nós que permanecem numa igreja que realmente não nos quer. Portanto, tem de haver uma mensagem de Jesus que seja apelativa. Tem de haver uma verdade nessa história cristã que continuamos a apregoar. As pessoas LGBT continuam a estar presentes, porque têm esperança na verdade dessa mensagem.»

 

O Pe. Massingale acredita que, embora possa não ser uma jornada fácil, eventualmente a igreja católica irá celebrar as expressões de compromisso de amor entre pessoas LGBT. «Não penso que o nosso compromisso para com a igual sacralidade das pessoas nos dê qualquer outra escolha,» afirma. «A metáfora que usei para me referir ao local onde estamos enquanto igreja é a de que estamos numa primavera antecipada.  Particularmente no centro-oeste (EUA) na primavera antecipada os campos estão lamacentos e podemos ter grandes tempestades de neve e episódios de frio ártico enquanto dura a mudança de estação. Encontramo-nos neste tempo de transição onde saímos de um paradigma de compreensão da sexualidade humana para outro. Tudo isto faz parte da confusão na qual nos encontramos, mas é nossa fé como católic@s que toda esta confusão contenha os alicerces de uma nova vida e de um novo nascimento.»

 

Fonte: US Catholic

15 de Março, 2019

Católicos LGBT e o Papado de Francisco

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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Jaeynes Childers e Maria Balata, membros do grupo de ajuda a gays e lésbicas da arquidiocese de Chicago, dão as mãos na Igreja de N. Sra. do Monte Carmelo, em 2016. (Fotografia CNS/Karen Callaway, Catholic New World)

 

Ao longo das última semanas tenho estado em Chicago e S. Francisco a conversar com católicos LGBT e escutando teólogos, responsáveis por escolas católicas, pais e outras pessoas sobre o modo como a igreja pode realizar um melhor trabalho indo ao encontro e aprendendo com os católicos LGBT. Uma das mensagens mais poderosas que escutei veio de um bispo católico nomeado pelo Papa Francisco.

 

«Numa igreja que nem sempre valorizou ou acolheu a sua presença, precisamos escutar as suas vozes e levar a sério as suas experiências», afirmou o bispo John Stowe da diocese de Lexington, no Kentucky.

 

Desde a sua eleição em 2013, o Papa Francisco defendeu veementemente o ensinamento tradicional da igreja contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Foi igualmente crítico em relação ao que designa de «colonização ideológica» em relação a algumas formas contemporâneas de compreender o género. Ainda assim, Francisco efetuou uma abordagem dramaticamente diferente ao falar sobre gays e lésbicas mais do que os seus antecessores que sempre se referiram à homossexualidade como um «mal moral intrínseco». Nesta linha, o cardeal Joe Tobin, nomeado por Francisco para responsável da arquidiocese de Newark, acolheu uma peregrinação de católicos LGBT à Basílica do Sagrado Coração. «Estou encantado de que vós e os irmãos e irmãs LGBTQ planeiem visitar a nossa maravilhosa catedral», escreveu Tobin num e-mail endereçado ao responsável pelo grupo. «Sereis muito bem acolhidos.»

 

A abordagem de Francisco está em linha com o seu reconhecimento de que a igreja excluiu com demasiada frequência pessoas devido à sua fixação num legalismo estreito e moral. «Alguém me perguntou um dia, de uma forma provocadora, se eu aprovava a homossexualidade», afirmou o Papa numa entrevista em 2013. «Respondi com outra pergunta: 'Diga-me: quando Deus olha para uma pessoa gay, ele aprova a existência desta pessoa com amor, ou rejeita-a e condena-a? É nosso dever considerar sempre a pessoa. Aqui entramos no mistério do ser humano. Na vida, Deus acompanha pessoas e nós devemos acompanhá-las a partir da sua situação». Menos de um ano depois, quando questionado sobre os padres gay no Vaticano, a sua resposta tornou-se num soundbite papal viral que alcançou um estatuto quase icónico: «Se uma pessoa é gay e procura o Senhor, quem sou eu para julgar?»

 

Durante uma reflexão espiritual o bispo Stowe sublinhou o modo como Jesus desafiou frequentemente aquilo que denominou da «autoproclamada polícia do Sabá» e fez uma ligação direta entre esse enquadramento mental e aquele com que os católicos LGBT são frequentemente tratados. «Alguns de vós experimentastes o mesmo tipo de abordagem à lei que Jesus tantas vezes corrigiu no Evangelho - uma abordagem que algumas vezes desvaloriza os seres humanos», afirmou.

 

As histórias mais dolorosas que escutei vieram de católicos gay e lésbicas que foram despedidos de escolas católicas ou de outras instituições da igreja depois da divulgação pública dos seus relacionamentos.

 

Os bispos que conseguem citar de cor os ensinamentos sobre a sexualidade também deveriam escutar mais atentamente as histórias cruas e honestas dos pais católicos. «Há dez anos eu era totalmente ignorante sobre todos os assuntos LGBT até a situação tocar a minha família», afirmou Ray Denver, um diácono em St. Petersburg, na Florida. Este pai de cinco filhos, que descreveu a sua família como «uma família fanaticamente católica» - com quatro dos seus cinco filhos frequentando escolas católicas - é atualmente um defensor orgulhoso e público da sua filha transgénero Lexi. «A parte mais difícil é ver-se alguém que amamos viver em auto-ódio», afirmou. «Quando a palavra suicídio entra em jogo, a nossa vida muda. Queríamos que ela acabasse o primeiro ano viva. Há tantas famílias que rejeitam os seus filhos e filhas LGBT e isso é trágico, particularmente quando isso é feito em nome da fé. Não sou perito, mas o que estas famílias precisam de ouvir é que Deus criou estas crianças do modo como são e que Deus as ama».

 

A sua filha Lexi tomou consciência da sua identidade na Universidade de Georgetown, onde trabalhou no centro de recursos LGBTQ no campus universitário. «As pessoas transgéneras apenas querem viver uma vida quotidiana e serem mais uma pessoa na multidão», afirmou. «Lutei com a saída do armário. Estava convencida de que seria abandonada pela família e amigos, porque via isso acontecer a outros e outras». Os e as jovens trans têm taxas de suicídio desproporcionalmente elevadas, afirmou ela, e a esperança média de vida de uma mulher transgénero é de apenas trinta anos.

 

Uma das vozes mais apaixonadas e articuladas pela total inclusão dos católicos LGBT é o teólogo da Universidade de Fordham, Bryan Massingale, um padre afro-americano. Enquanto alguns e algumas puseram de lado as citações frequentes do Papa Francisco como sendo meras mudanças de tom nos assuntos LGBT, Massingale vê nelas um processo mais substantivo em curso neste papado. «Há uma mudança de tom, é certo, mas o tom mascara uma mudança doutrinal definitiva e o desenvolvimento atualmente em curso - uma mudança que é cautelosa, hesitante, tensa, algumas vezes ambígua e contraditória e ainda assim verdadeira», Massingale disse ainda que «aquilo que é nevrálgico para muitos responsáveis da igreja reside não tanto no facto de alguém ser gay, mas em ser honesto, franco e transparente sobre isso», afirmou. «O armário escancarado», como Massingale o chama, é uma dinâmica paradoxal de «tolerância privada e condenação pública», uma posição que ele julga ser problemática. «A justiça é inerentemente pública», disse. «A justiça é a face social do amor. Insistir na aceitação e compaixão particular em relação às pessoas LGBT sem um compromisso eficaz de defender os direitos humanos LGBT e criar uma sociedade de justiça igual para todas e todos não é somente contraditório, é concomitantemente incompreensível e, em última análise, insustentável».

 

Na Universidade de S. Francisco encontrei-me com mais de duas dúzias de professores católicos, administradores escolares, teólogos e mulheres religiosas, mas também com o responsável nomeado pelo presidente da autarquia para as iniciativas transgénero. O grupo reuniu-se para uma conversa sobre a forma como apoiar os estudantes LGBT e auxiliar as instituições católicas a melhor pensarem numa cultura de inclusão fundamental à identidade católica. Michael Duffy, diretor do Instituto McGrath para a Educação Católica Jesuíta na universidade, realizaram o encontro, em parte, devido à sua experiência em alguns workshops e conferências católicos, onde as discussões sobre temas LGBT foram frequentemente inúteis e estreitamente definidas.

 

Theresa Sparks, a conselheira do presidente da autarquia da S. Francisco para as atividades transgénero, disse ao grupo que tem tido pouca ligação com as instituições católicas. «Há um vacum aqui», disse Sparks, que educou todos os filhos em escolas católicas e passou algum tempo como sem abrigo depois de ter efetuado a transição ela mesma. Um em cada cinco pessoas transgénero viveram como sem-abrigo, de acordo com dados do Centro Nacional para a Igualdade Transgénero, nos Estados Unidos.

 

Na última primavera, um professor de inglês na escola secundária de Mercy, em S. Francisco, saiu do armário como transgénero. Gabriel Bodenheimer colocou em perigo o próprio emprego quando decidiu fazer a mudança de mulher para homem - mas as Irmãs da Misericórdia, que tutelam e operam a escola, apoiaram-no. «Sentimos que devido aos nossos valores, a escolha era esta, mas isso não significa que foi fácil», contou a irmã Laura Reicks, responsável da região composta por 16 estados da Comunidade de West Midwest das Irmãs da Misericórdia, ao San Francisco Chronicle. Bodenheimer disse perante a reunião de S. Francisco que a sua experiência tinha sido «angustiante, mas igualmente animadora». Porém «a cultura do medo e do silêncio», disse, ainda é a norma quando se trata do tema transgénero, nas escolas católicas.

 

Um educador de longa data de uma escola católica, que pediu o anonimato, disse-me que uma conferência intitulada «Quebrando o Binário» realizada em março na sua escola causou um alvoroço enorme entre um número expressivo de pais. «Alguns pais ficaram incomodados e sentiram que uma escola católica não devia falar sobre identidade de género», disse. «Nunca tivemos uma resposta destas a nada que tenhamos alguma vez feito». Cerca de cinquenta pais mantiveram os filhos em casa. Os alunos escolheram o tema da conferência, que não se centrava unicamente sobre assuntos transgéneros, mas incluía discussões sobre a mulher no local de trabalho e os estereótipos de género. A conversa transgénero era opcional. Um painel de peritos falou aos estudantes: um advogado especialista em representar clientes transgénero, dois prestadores de cuidados de saúde que trabalham com a comunidade trans e uma assistente social. Um estudante que tinha mudado após se ter licenciado partilhou um vídeo sobre a sua experiência. A escola é gerida por uma ordem de mulheres religiosas.

 

«De facto, utilizámos a missão da nossa escola e a nossa identidade católica para falar sobre as pessoas transgénero, não como tema político, mas em termos de permanência nas margens e da ida às periferias existenciais onde as pessoas se encontram, às vezes, em sofrimento», disse o educador. «Uma escola católica é um espaço onde os miúdos deveriam aprender a pensar de forma crítica de modo a que possam tornar o mundo um lugar mais justo e humano. Ensinamos a posição da igreja sobre a sexualidade e temos igualmente a obrigação de ajudar os alunos e alunas a lutar com assuntos morais mais complexos».

 

Fonte: Commonweal