«A igreja que me educou, rejeitou-me»
À sombra de um campanário reunimo-nos para o pequeno-almoço. O café foi servido preto; os ovos dela mexidos, os meus estrelados. Entre uma garfada e outra, a conversa, a razão de nos termos encontrado, era falar sobre a igreja. Em particular, queria encontrar-me com uma velha amiga e, se ela estivesse disposta a isso, esperar que ela partilhasse as suas experiências do Catolicismo. Pois eu, um homem branco hétero queria escutá-la a ela, uma mulher branca lésbica.
Passada uma hora dissemos adeus, saímos do restaurante e a sombra do campanário, no outro lado da rua, veio ao nosso encontro, à medida em que seguíamos caminhos opostos, correndo para o trabalho. No meu carro, pondo em ordem os meus pensamentos fiz uma pausa antes de sair do parque de estacionamento e, à medida que me virava para a estrada, à minha vista já não se encontrava o campanário, mas o pilar da igreja. Tinha acabado de tomar o pequeno-almoço com a Lauren, uma amiga, uma mulher de sucesso à volta da minha idade que partilhou a dor, a frustração, a raiva e, aqui e ali, uma reminiscência melancólica de uma igreja que parecia rejeitá-la. Não pude deixar de pensar na pedra nos Salmos e em Isaías (e novamente no evangelho de Marcos) que tinha sido rejeitada pelos construtores, mas que, contudo, era a pedra basilar. Afinal de contas, momentos antes, ela disse, com naturalidade, «A igreja que me educou, rejeitou-me.»
O Corpo de Cristo está bastante ferido, mas eu tinha convidado a minha amiga para o pequeno-almoço somente para a escutar, para aprender como é crescer-se gay numa família católica. Acho que também a convidei para o pequeno-almoço não somente para a escutar, mas para testar uma suspeita que tinha, uma suspeita não sobre as feridas da igreja, mas sobre a feridas infligidas aos outros pela igreja. Suspeitava que essas feridas necessitavam de reconciliação por parte da igreja, baseado nas conversas com outros católicos e católicas das mais variadas cores.
Nunca tinha perguntado diretamente a alguém que conhecesse e que fosse gay e batizado quais eram as suas experiências. Queria saber: como é que era frequentar uma escola católica somente para raparigas? Como é que era a igreja antes e depois da saída do armário? Como é que foi contar a uma avó, que ia à missa pelo menos cinco dias por semana, que se era gay? Quais são as opiniões sobre o ensinamento e comportamento da igreja?
Escutar atentamente pode ser difícil. Contudo, mesmo quando se discute experiências ou frustrações negativas, ela não tinha qualquer tipo de reserva. De facto, a meio do pequeno-almoço senti-me culpado. Tal como acontece com uma pessoa negra tendo que instruir, intervir ou reviver o racismo que experimenta para educar uma pessoa branca, apercebi-me que o que pedi à minha amiga para fazer era que me instruísse em homofobia e revivesse memórias difíceis, não para seu benefício, mas para o meu. Naquele momento eu divaguei de uma escuta atenta e vi-me como Tomé, do outro lado da mesa de alguém parecido com Jesus, tendo de suportar as suas feridas para satisfazer a minha curiosidade ou as minhas questões. Com que frequência têm as mulheres, têm as pessoas gays oferecido as suas feridas aos Tomés da igreja, que bem conheciam ou duvidavam da sua autenticidade?
Em escuta e em diálogo soube das alegrias da sua infância ao ir à missa, do tempo passado numa escola católica e dos seus anseios em ser acólita. Também fiquei a saber como primeiramente se sai do armário para si mesmo e depois para os outros e outras e quando ambos se passaram o âmago da sua fé e da sua vida foram esmagadas. Uma vez fora do armário, ela já não podia participar como fazia até aí. Mesmo hoje, apesar de uma experiência global positiva na sua escola católica, ela não se sente bem-vinda ou capaz de participar completamente enquanto alguém que é gay. Fiquei a saber da sua culpa, pois o facto de ela ser abertamente lésbica causou mágoa e dissonância em alguns membros da família. Mesmo assim, fiquei a saber sobre a sua mãe, sobre a qual ela me disse ser uma católica como os católicos devem ser. «Irei contigo para uma igreja onde te sintas mais à vontade,» foi o que uma mãe solidária disse à minha amiga. Entre o escárnio de alguns, a minha amiga encontrou igualmente acompanhamento, infelizmente não pelos «poderes constituídos» ou mesmo dentro da igreja da qual ela, com alegria, tinha feito parte durante a sua infância e adolescência.
Quando a minha amiga saiu do armário para a avó, que frequentava diariamente a missa, ela estava nervosa. Contudo, a resposta da avó foi «Ainda te amo na mesma e se o teu avô ainda fosse vivo ele faria o mesmo.» Claro está que este amor não foi o único «amor» que a minha amiga viveu. Pois não há somente ódio, apatia ou amor quando se trata da resposta que os cristãos podem dar a uma pessoa gay. A minha amiga deu-me muitos detalhes em relação a muitos e muitas na igreja que afirmam que ainda a amam, mas de um modo e tom em que o amor já não é compaixão e fraternidade, mas antes pena e condescendência. O «amo-te porque tenho de te amar,» ou o amor do tipo eu sou mais santo do que tu: «Claro que te amo, apesar de tu seres inferior, ou deficiente quando comparada comigo».
Claro que é o amor que força a mãe da minha amiga a apoiá-la e acompanhá-la, que conduz à incongruência da igreja, «a nossa mãe», e a aparente falta de amor e de acompanhamento em relação às pessoas gays ou lésbicas. A minha amiga disse que a igreja é definida como um conflito: há o conflito entre a igreja enquanto hierarquia e instituição versus a igreja enquanto povo de Deus. E entre o povo de Deus, ou os leigos e leigas, o conflito entre aqueles e aquelas que gastam a sua energia condenando e aqueles e aquelas que gastam a sua energia construindo. Nesta altura, ela referiu o Pe. James Martin e o seu post no Twitter como exemplo. Ela acha os posts dele adoráveis, ainda que discorde com algumas coisas que ele afirma. Porém, muitos e muitas que respondem aos seus tweets, aqueles e aquelas que supostamente são mais católic@s do que ele, demonstram uma aparente falta de amor, empatia, humildade ou caridade cristã. Se tivermos em consideração 1 Coríntios 13, estes cristãos e estas cristãs invertem essencialmente a secção sobre o amor como a experiência basilar da igreja e que ela tem sentido desde que saiu do armário, pessoalmente ou online.
Não precisamos de um curso avançado em análise estatística para compreendermos que uma amostra de um pode não ser representativa. Contudo, no espaço de uma missa dominical, a minha chamada à comunhão durante o pequeno-almoço com uma amiga deu-me um olhar substantivo naquilo a que chamo as feridas que a igreja infligiu a muitos das suas filhas e filhos. Feridas que deveríamos reconhecer, limpar e sarar.
Ao sair do parque de estacionamento, com o campanário e o canto da igreja local no retrovisor, apercebi-me de algo mais profundo acerca da minha amiga: a sua experiência e sentimento persistente de rejeição. A sua era uma história de feridas provocadas pela igreja institucional e a igreja formada pelo povo de Deus. Para mim, havia ainda uma ironia dolorosa: na sua rejeição, nas feridas que ela apresenta, ela parece-se mais com o Cristo que sofre do que eu alguma vez fui. Sim, penso que somos ambos filhos de Deus, mas ninguém em nome da escritura, da tradição ou de Deus me condenou alguma vez da forma que ela foi condenada - da forma como Cristo foi condenado. Talvez, assim, possamos ver o rosto de Cristo nas faces das pessoas gays e falar com elas, pessoalmente, do mesmo modo que tentamos falar com Jesus em oração: com compaixão e amor.
Fonte: National Catholic Reporter