Carta de um sacerdote ao coletivo LGTBI
Ainda que no título do artigo tenha colocado coletivo, dirijo-me a vocês como pessoas, com as vossas vidas cheias de amor e sofrimento, são as vossas luzes e sombras. Dirijo-me com todo o carinho e respeito porque sois pessoas sem mais qualificativos e etiquetas.
É normal que vos agrupeis como coletivo LGBTI para poderdes defender os vossos direitos e de qualquer ataque originado pelo ódio, pela marginalização, pelo bullying ou pela discriminação. Ireis permitir-me uma pequena brincadeira e é a de que não deveis acrescentar mais letras ao coletivo. Sim, sou sincero, não entendo muito bem o significado do «I» para intersexualidade. Antes era LGBT e agora LGBTI, ou seja, lésbicas, gays, transexuais, bissexuais e intersexuais.
Imagino, e é desejável, que desapareçais como coletivo quando a sociedade não etiquete e seja respeitosa na sua dinâmica social quotidiana com as diversas orientações sexuais, desvanecendo-se qualquer estigmatização. Ainda recordo aquele casamento católico, amigos meus, que se manifestava contra os homossexuais até ao dia em que o seu filho lhes confessou a sua homossexualidade, porque se tinha apaixonado por outro homem. O seu conceito mudou, as suas vidas mudaram e a rejeição deu lugar ao amor, ao amor pelo filho.
Ainda que devesse ter começado com uma saudação, faço-o agora, e saúdo-os com a convicção de que tendes o direito a serdes felizes e não compreendo como há pessoas e coletivos que continuam a atacar-vos, faltando ao respeito e até considerando-vos uma ameaça ou uma doença que há que curar.
Dou graças a Deus pela vossa vida. Que a vida sempre vos sorria e não vos faça mossa. Fiquei encantado com a vossa postura quando o Vox [N. T.: Vox é um partido político de Espanha fundado em dezembro de 2013 por antigos militantes do Partido Popular. Vox tem sido descrito como um partido de direita, populista de direita e direita radical] deu uma conferência em Múrcia e vós declinastes ir até à porta do hotel Nelva para protestardes, porque acreditais na liberdade de expressão, ainda que vos tenhais mostrado dispostos a exercer o vosso direito de denúncia no caso em que fosse produzida alguma expressão de ódio contra o vosso coletivo.
É provável que há alguns anos tivesse levado algum tempo para escrever este artigo, mas com o ressurgimento em força da homofobia decidi-me a faze-lo agora, apesar de reconhecer a evidência de que esta rejeição sempre esteve presente na nossa sociedade e ainda mais: há países onde vos continuam a perseguir, a prender, a torturar e a assassinar. Há 72 países membros da ONU que vos criminalizam e em alguns deles vos condenam à pena de morte, como é ocaso do Iraque, do Irão, da Arábia Saudita, da Síria, do Afeganistão, do Iémen, do Paquistão, da Nigéria, do Sudão do Sul, da Somália e da Mauritânia. Sabe-se que na Chechénia sequestram-se homossexuais e são conhecidos centros de detenção não reconhecidos oficialmente pelo governo russo, que está por trás desta prática que viola os direitos humanos.
Deu que falar o facto da existência de terapias em algumas dioceses espanhola cujos promotores dizem que vos querem curar, porque pensam que estais doentes, imagino que mentais. Quem mais se destacou foi o Bispo de Alcalá de Henares, Juan Antonio Reig Pla, que tem uma obsessão com a homossexualidade. Parece-me que estas terapias são um disparate; talvez devessemos nós fazer um curso de amor e respeito. É claro que me surpreendeu, pela negativa, as palavras do Papa Francisco quando Jordi Évole lhe perguntou sobre esta questão e ele respondeu que se uma criança mostra coisas raras seria necessário levá-lo a um profissional, a um psicólogo, quando afirmou noutras ocasiões quem era ele para julgar os homossexuais, desejando a vossa felicidade. Não sei a que se deve esta mudança, que não partilho de todo, ainda que este não retire o facto de me ter maravilhado com a primeira parte da entrevista quando falou dos refugiados, dos imigrantes e dos mortos enterrados em valas comuns que tão mal caiu à direita e à extrema-direita autodenominada católica.
Em conversas com alguns e algumas de vós admiro a vossa capacidade de compreensão quando sois capazes de dizer que entendeis e respeitais a Igreja Católica no seu conceito do matrimónio como uma união entre um homem e uma mulher e me indicais que vos é indiferente que se chame casamento ou união civil, pois a única coisa que desejais é que o Estado legisle e os ampare e torne a vossa situação coberta pela lei, mas que vos dói quando sentis que sois desprezados pela Igreja Católica, com a qual alguns e algumas de vós vos sentis identificados.
Dói-vos quando há bispos que se dirigem a vós como depravados, pervertidos, como doentes, até vos classificaram como uma epidemia, incluindo, como uma pandemia. Já vedes, quando nós temos o gravíssimo problema da pederastia, que nos está afundando, sem esquecer que uma percentagem significativa do clero é homossexual e o certo é que a homossexualidade não implica qualquer impedimento ao sacerdócio.
Faço-vos uma pequena confissão: causa-me muita estranheza escutar um sacerdote a falar contra os homossexuais quando ele é homossexual. Pretende desta forma ocultar a sua homossexualidade? Não sei a resposta.
Comentastes que, como coletivo, irieis dar conferências em centros educativos para falardes da homossexualidade, de como exprimir-se no caso de sentir-se atraídos por pessoas do mesmo sexo, o comportamento e os «não comportamentos», tudo isto para ajudar e evitar um sofrimento que vós conheceis muito bem. Finalmente essas conferências acabaram por ser suspensas pelo gabinete de educação, no caso, da região de Múrcia. Querem-vos escondidos, não visíveis, que sofrais em silêncio, condenados na sociedade. Não seria melhor estabelecer pontes? Não seria melhor mostrar respeito e carinho?
Julgo que no próximo dia 22 de junho tereis um ato, uma manifestação para reivindicar o vosso direito a uma vida digna, contra o ódio e a discriminação, a serdes felizes e não os poderei acompanhar pois estarei fora de Espanha, mas quero mostrar a minha solidariedade convosco e desejar-vos que sejais felizes, muito felizes.
Fonte: El Diário