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Associação RUMOS NOVOS - Católicas e Católicos LGBTQ (Portugal)

Somos católic@s LGBTQ que sentiram a necessidade de juntos fazerem comunhão, partilhando o trabalho e as reflexões das Sagradas Escrituras, caminhando em comunidade à descoberta de Deus revelado a tod@s por Jesus Cristo.

01 de Julho, 2011

O que a Igreja diz sobre a homossexualidade

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

O psicanalista Jacques Arènes (ao lado, à esquerda) e o teólogo Dominique Foyer (ao lado, à direita) deixam-nos a sua reflexão comum sobre a evolução da Igreja em relação à questão da homossexualidade.

 

Actualmente a questão das homossexualidades é como um iceberg: o facto social da visibilidade, frequentemente reivindicativa, não diz tudo. Interrogações fundamentais, há muito escondidas, vão aparecendo pouco a pouco: no plano antropológico, o reconhecimento do facto homossexual leva à reconsideração do lugar da sexualidade na existência humana; no plano social e político, é preciso articular a aspiração legítima dos indivíduos de decidirem, de forma soberana, as suas vidas, portanto da sua sexualidade, através de uma regulação social necessária das relações humanas, incluídas as afectivas e sexuais; no plano teológico e espiritual, devemos questionar-nos como a boa nova da Salvação, realizada pela Igreja de Cristo, pode juntar as pessoas homossexuais na diversidade das suas situações.

 

 

A doutrina da Igreja e a sua antropologia implícita

Constatamos, em todas as religiões, um enquadramento estrito e frequentemente uma reprovação dos actos homossexuais. Porém, as relações «homoafectivas» são geralmente valorizadas: amizades viris entre guerreiros, ternura entre mulheres… O judaísmo e o cristianismo primitivo não são nisso excepção.

 

A Igreja católica afirma, quanto a si, que existe um valor moral universal dos actos humanos, independente das circunstâncias desses actos. Ela considera os actos homossexuais «objectivos» como pecaminosos. Contudo, ela distingue a moralidade dos actos da responsabilidade das pessoas que os vivem. Nas situações «homoafectivas», a Igreja católica não aprova a passagem ao acto sexual, reconhecendo embora que a avaliação da liberdade real e, portanto, da responsabilidade moral das pessoas é sempre difícil de fazer. Uma pessoa homossexual não é responsável pela sua orientação psicoafectiva e não controla necessariamente a sua expressão. Na teologia contemporânea, o argumento central assenta numa antropologia onde a diferença dos sexos, com o seu significado teológico – a união entre homem e mulher à imagem da relação com Deus – seja um elemento essencial de identidade e do devir humano, na sua dimensão sexual, conjugal e procriativa: a humanidade é criada na complementaridade do homem e da mulher (Gn 2, 20-24), «à imagem de Deus» (Gn 1, 27).

 

 

Com variações históricas

Desde os primórdios do cristianismo, na linha do judaísmo, as práticas homossexuais são consideradas quer como idólatras, indignas e antinaturais: idólatras, porque demasiado ligadas a formas de prostituição sagrada ou como consequência social originada por um conhecimento natural deficiente de Deus (Rm 1, 18-32); indignas de homens e de mulheres tornados, pela graça baptismal, «filhos adoptivos de Deus», «irmãos de Jesus Cristo» (Rm 8, 2.21): finalmente antinaturais, porque contrárias à ordem natural criada por Deus. De acordo com as perspectivas já presentes nas filosofias antigas (estoicismo, aristotelismo), o cristianismo medieval desenvolveu a apresentação dos actos homossexuais como sendo pecados «contra-natura», ligando fortemente o acto sexual à sua finalidade procriadora. Contudo, as dimensões psicológicas e relacionais da sexualidade humana permanecem sub-estimadas.

 

Actualmente, o argumento fundado sobre o respeito pela lei natural em matéria de sexualidade e de reprodução perdeu um pouco da sua pertinência, nomeadamente devido ao desenvolvimento do controlo reprodutivo humano. Prefere-se uma argumentação antropológica baseada na noção de «verdade do acto sexual». Na medida em que este não leva à procriação, uma relação homossexual é antropologicamente «menos verdadeira» que uma relação heterossexual. Contudo, esta pode ser portadora de qualidades éticas: sinceridade, doação, pesquisa do desenvolvimento de outros, etc. Por outro lado, na doutrina do casamento cristão desde o Vaticano II, o reconhecimento do valor positivo da sexualidade humana e a tomada em consideração da «entrega mútua dos esposos» abre a porta a um levar em consideração do prazer sexual independentemente da sua finalidade procriativa. Mas podemos, no entanto, dissociar totalmente estas duas dimensões constitutivas da sexualidade humana

Questões colocadas à Igreja de hoje

Actualmente a Igreja está confrontada, tal como o conjunto da sociedade, com um dado novo. A «identidade homossexual», pessoal e colectiva, emerge enquanto tal. Michel Foucault sublinhava-o, não existia nos séculos passados, pessoas que se consideravam como «homossexuais», mas «práticas homoeróticas». A abordagem psicomédica das sexualidades e da homossexualidade desenvolvida no século XIX, colocou progressivamente em destaque a sexualidade e a orientação sexual, como «verdade» do sujeito. Na sua realidade e na sua expressão, a orientação sexual é considerada actualmente como a marca da autenticidade da pessoa e das suas aspirações mais profundas. A emergência das reivindicações de legitimação social das relações homossexuais (casamento «gay») é, então, o sinal de um desejo fundamental de reconhecimento, que diz respeito aos grupos e às pessoas.

 

 A Igreja deve ouvir essas expectativas, procurando promover a sua visão antropológica, dificilmente audível nos dias de hoje. Numa sociedade fortemente erotizada, na qual a actividade genital é considerada como um lugar incontornável de entrega, a abstinência sexual, proposta pela Igreja às pessoas homossexuais, torna-se difícil de pôr em prática. Portanto, o autocontrole, neste domínio essencial, é igualmente um caminho de liberdade. As pessoas homossexuais são assim chamadas a viver um amor casto, sem actos sexuais, mesmo quando vivem sob o mesmo tecto que o seu cônjuge. Num mundo fragmentado onde a solidão é difícil de suportar, isso exige virtudes heróicas e graças particulares. A Igreja sabe-o bem (cf. Catecismo da Igreja Católica, n.º 2359).

 

A questão chave no que às pessoas homossexuais diz respeito, mais ou menos próximas da Igreja, é aquela do realismo e do acompanhamento. Na diversidade das situações de facto (vida em casal ou sozinho) e dos tipos de sexualidades, eventualmente em contradição com as suas prescrições, a Igreja deve, no entanto, reflectir sobre a maneira de acompanhar as pessoas homossexuais, como o faz com os heterossexuais, em direcção a uma maior fidelidade, respeito e amor ao próximo, numa caminhada humana e espiritual.

 

 

Conclusão

Estas questões difíceis dizem-nos respeito a todos: algumas vezes pessoalmente, frequentemente nos familiares ou amigos, sempre como cidadãos e, ainda mais, como cristãos. Fazemos nossas as palavras do concílio do Vaticano II: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do tempo actual, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo e não há nada de verdadeiramente humano que não encontre eco no seu coração» (constituição Gaudium et Spes, sobre a Igreja no mundo actual, n.º 1).

 

Artigo original: Ce que dit l'Eglise sur l'homosexualité (Revista: La Vie) 

 

Tradução: José Leote

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