18 de Fevereiro, 2009
Posição pública sobre as declarações do cardeal D. José Saraiva Martins a propósito da «anormalidade» da relação homossexual
Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação
A exemplo do que aconteceu noutros países, quando se anteviu o debate sobre a regulamentação das relações entre pessoas do mesmo sexo sob a forma de casamento, alguma hierarquia católica aposta na confusão de conceitos, hipocrisia nas palavras e dualidade nas posições.
Como católicos, entristecem-nos, magoam-nos e causam profundo sofrimento estas palavras, das quais se encontra apartada a mensagem de Cristo, afastado o sentido de comunidade, manchados os ensinamentos elementares de Jesus.
A vivência em faustosos gabinetes no Vaticano, mantém alguma hierarquia afastada da realidade e leva-a a pronunciar-se sobre factos que não experienciou, que manifestamente desconhece e corrobora-os com uma mensagem que conscientemente é inexacta, porque a própria realidade humana a não corrobora.
Numa altura em que, em Portugal, se debate a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, querer associar a esta questão outras colaterais (adopção e educação de filhos), que não estão em discussão, nem se prevê que o venham a estar nos tempos mais próximos, corresponde a uma tentativa de ofuscar o debate, lançando, nas mentes menos esclarecidas de alguns sectores da população, fantasmas e situações que não fazem parte do universo da discussão. Estas tentativas de manipulação, tão ao gosto de alguns sectores fundamentalistas da hierarquia, já provaram não ter efeitos práticos, excepto os de serem contrárias a quem as dissemina, mas mesmo assim estes parece nada terem aprendido com aquelas.
É demagogia pura afirmar que o «casamento entre homossexuais não providencia uma educação normal a crianças a quem falta um pai e uma mãe, … porque uma criança para ser formada normalmente precisa de um pai e de uma mãe…». A falácia resulta do facto de se a formação «normal» de uma criança necessitasse exclusivamente de um pai e de uma mãe não teríamos criminalidade, toxicodependência e tantas outras situações que resultam de comportamentos de seres humanos «formados normalmente» por um pai e uma mãe. Por outro lado, os milhares de crianças adoptadas e educadas por casais homossexuais não parecem revelar problemas diferentes dos seus colegas criados por «um pai e uma mãe», isto é, os filhos de casais homossexuais não se «transformam» em homossexuais, uma vez que o grau de incidência da homossexualidade entre estes não é diferente daquele existente entre os filhos de casais homossexuais.
Também os casais de homossexuais são formados por pessoas «diferentes, têm diferentes qualidades, completam-se mutuamente» e por isso escolheram amar-se, respeitar-se e ser família.
Ao afirmar que a «homossexualidade não é normal» o cardeal José Saraiva Martins pretende dar voz a uma corrente fundamentalista, que nada tem a ver com a mensagem de Cristo, com as evidências científicas e que, cada vez mais, afasta alguma hierarquia dos fiéis
Recordamos que, desde meados do século passado, que as mais importantes e prestigiadas organizações no domínio da saúde (onde se inclui a Organização Mundial de Saúde) e do direito, afirmam que a homossexualidade não pode, nem deve, ser encarada como uma doença, desordem ou outra denominação eufemística similar. Nem tão pouco a denominada terapia reparadora, que abusivamente reclama converter homossexuais, deve ser encarada, pelos danos irreparáveis que causa nos sujeitos que a ela se submetem.
Novamente o cardeal vem tentar escudar a sua posição em argumentos bíblicos, desta feita a criação, por Deus, do homem e da mulher. Ora os homossexuais são precisamente homens e mulheres e não pretendem ser outra coisa. Se com esta afirmação se pretende sugerir o argumento de que o homem somente se completa na mulher, talvez seja altura de nos questionarmos sobre o celibato dos sacerdotes.
Apesar de tudo, congratulamo-nos com a afirmação do cardeal José Saraiva Martins de que «quando se fala de direitos civis não tem de se interrogar a Igreja, tem de se interrogar o Estado», considerando que o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo é um acto jurídico da sociedade civil, esperamos que a hierarquia católica portuguesa siga o conselho deste seu cardeal.
Tal como o cardeal e como homossexuais católicos, esperamos que seja possível construir pontes através da colaboração e do diálogo. Estamos conscientes de que o caminho será árduo e difícil, mas devemos persistir no lançamento dessas pontes de diálogo, sem nunca perder a nossa capacidade de, pela crítica construtiva, apontar pistas, desbravar caminhos e alcançar metas. A exemplo de Jesus Cristo, que os escolhos do caminho sejam o ânimo e a força redobrada para um reforço da nossa fé em Cristo e no perdão aos irmãos, sobretudo àqueles que sabendo o que dizem, parecem não imaginar o sofrimento que causam.