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Associação RUMOS NOVOS - Católicas e Católicos LGBTQ (Portugal)

Somos católic@s LGBTQ que sentiram a necessidade de juntos fazerem comunhão, partilhando o trabalho e as reflexões das Sagradas Escrituras, caminhando em comunidade à descoberta de Deus revelado a tod@s por Jesus Cristo.

14 de Agosto, 2019

Foi assim que sobrevivi ao bullying no meu colégio por ser gay

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

Entrei para um colégio cristão a partir do 6.º ano. A minha mãe gostou muito desta instituição, porque segundo ela eu iria ter bons amigos. Contudo aquilo que verdadeiramente aconteceu foi que essas pessoas me destruíram. Foto: Juan Carlos Soriano.

 

O meu nome é Daniel*, sou advogado, tenho 23 anos e, sendo gay, estudei seis anos num colégio cristão do norte de Bogotá. Como é que o fiz? Antes de responder é necessário que conte a minha história e o que tive de passar por ter tomado a decisão de mostrar o que realmente sou.

 

Quando penso na minha infância as memórias que me chegam são curtas e breves. Lembro-me que quando tinha três anos os meus pais separaram-se. Nessa altura comecei a viver sozinho com a minha mãe, pois o meu irmão e a minha irmã já tinham a vida organizada.

 

Nessa idade a minha vida era como a de qualquer menino: brincava, mas nunca com carros ou bonecos; via televisão; durante a semana ia ao jardim e também ia à igreja ao domingo com a minha mãe.

 

Comecei a ser cristão não por escolha, mas por obrigação. Os meus pais e a minha família pertenceram a essa religião durante vários anos e eu devia continuar a tradição.

 

Os meus 5, 9 e 12 anos são datas que igualmente recordo. Não porque tenham acontecido coisas coo aquelas que normalmente acontecem a uma criança: ter o brinquedo de sonho, ou aprender a andar de bicicleta, mas porque fui violado nessas idades.

 

Em três ocasiões três primos abusaram de mim quando a minha mãe me deixava com eles, sobretudo por ir trabalhar e oferecer-me o que sempre tinha querido pelo natal.

 

Contudo, essa não é exatamente a história que quero contar. O que quero reter é o bullying, a chacota, os desejos de não viver mais, o confronto com a realidade, as forças que tirei de dentro de mim e a felicidade que sinto em estar com um homem.

 

Nono ano

Entrei no colégio cristão a partir do sexto ano. A minha mae gostou daquela instituição, porque segundo ela ia consagrar-me mais a Deus e ia ter bons amigos. Porém, o que verdadeiramente aconteceu foi que essas pessoas me destruíram e acabei afastando-me mais do cristianismo.

 

O sexto, sétimo e oitavo ano foram normais para mim, exceto numa coisa: sempre passei mais tempo com mulheres do que com homens sem saber porquê. Simplesmente sentia-me melhor tendo amigas.

 

No nono ano, quando tinha 14 anos, foi quando tudo começou. Os meus colegas começaram a criticar-me e a julgar-me porque tinha comportamentos femininos e porque nunca convivia com homens.

 

Nos corredores, nas salas, no parque, nos campos de jogos e até na cantina escutava comentários de que era gay. «O Daniel é maricas», «O Daniel é uma mulher», «O Daniel gosta de beijar homens», «O Daniel é um pecador», era o que diziam quando me viam.

 

E não faziam pior porque os professores estavam constantemente a observar-nos, mas faziam questão de se assegurar que eu os ouvia.

 

Eles acreditavam que se eu fosse gay estava a cometer um pecado muito grave e que devido a esse pecado iria para o inferno. Algumas vezes acercavam-se de mim e diziam-me que eu não era cristão, porque não gostava de mulheres. Diziam-me que estava a desobedecer ao que a Bíblia dizia porque não estava a cumprir o desígnio de Deus (o homem estar com uma mulher) e que por isso não ia estar em graça diante dele e não iria poder ter uma boa relação com ele.

 

Não somente diziam estas coisas como também se riam de mim, faziam «cara de mau» e quando tínhamos de fazer trabalhos de grupo ninguém os queria fazer comigo.

 

Em relação a tudo isso eu não dizia nada, atuava frio e sem dar-lhe importância, mas por dentro sentia cada palavra, gesto e olhar que me destruíam. Eles estavam a descrever em mim uma identidade que eu não sabia que tinha ou que, talvez mais correto, não tinha a ousadia de explorar.

 

Após um dia cheio de críticas chegava a casa, fechava-me no quarto e punha-me a chorar. Perguntava-me quem era, pensava por que tinha que ser o gozo dos meus companheiros e questionava-me por que se Deus é amor e todos éramos cristãos, por que tinham que fazer isso comigo.

 

Sofri de ansiedade durante esse tempo todo. Perdi seis quilos e deixei de fazer aquilo que mais gostava que era cantar. No sexto, sétimo e oitavo ano estava no coro, mas no nono saí porque começaram a gozar com a minha voz fina.

 

Encontrei refúgio no álcool e no cigarro, a única coisa que queria era escapar da minha realidade. Não regressei à igreja aos domingos e a minha bíblia que sempre estava em cima da minha mesa de cabeceira, escondi-a.

 

Até esse momento não tinha contado nada à minha mãe, porque não a queria sobrecarregar ainda mais comos meus problemas, tentando ocultá-los o melhor que podia. Contudo, um dia, toda essa dor e raiva acabaram saindo de dentro de mim.

 

Lembro-me que uma tarde havia um evento no colégio e estávamos todos reunidos no campo de futebol. O reitor estava a falar através de um megafone e pediu que só as mulheres parassem. Nesse instante pude escutar um colega que me disse, em frente a toda a gente, para parar porque era mulher.

 

Quando cheguei a casa fiz o que já havia convertido na minha rotina: chorar. No dia seguinte decidi não apanhar o autocarro do colégio e escapar-me, ir para longe e perder-me.

 

A minha mãe encontrou-me durante a tarde e repreendeu-me. Depois de a escutar contei-lhe o que se estava a passar, dizendo-lhe que no colégio estavam a dizer que eu era gay. De início ela ficou irritada, mas depois sentou-se na minha cama, abraçou-me e disse-me que independentemente do que fosse ela não iria permitir que me machucassem.

 

Ela foi falar com o reitor sobre o assunto e considerou mesmo mudar-me de colégio, mas sentia que já não faria diferença fazê-lo, pois o dano já estava feito. Suponho que lhe contei muito tarde sobre o bullying.

 

Décimo ano

No décimo ano, o colégio resolveu não renovar a matrícula à pessoa que tinha publicamente dito que eu era gay.

 

No início desse ano, o reitor entrou na minha sala de aula e pediu aos meus colegas que me pedissem desculpas por qualquer comentário feito. Eles assim o fizeram.

 

Esperei que depois disso o psicólogo ou o padre me chamassem, que falassem comigo, que me perguntassem como me sentia, que me dessem indicações, ou que ao menos me repreendessem porque se fosse gay estava a cometer um pecado. Porém, ninguém o fez.

 

É de supor que se é um colégio totalmente cristão, se deve preocupar com os teus problemas, deve ajudar-te a sentires-te melhor, deve rodear-te do amor de Deus, mas a mim nunca me ajudou.

 

Nunca me falaram sobre identidade de género. As coisas que aprendi e com as quais estava a lidar fi-lo sozinho, com a ajuda dos meus amigos do grupo e da internet.

 

A partir desse dia, no qual me pediram perdão, todos começaram a comportar-se de modo diferente. Os trabalhos de grupo já não eram um martírio, porque de um modo estranho todos queriam fazê-los comigo. Não voltei a escutar nenhum comentário sobre mim e os homens começaram a oferecer-me amizade.

 

Posso afirmar que esse ano foi um tempo de tranquilidade. Graças à ausência das críticas pude concentrar-me em mim e em encontrar a minha identidade. A resposta tive-a quando deixaram de me fazer bullying.

 

Os meus amigos do grupo foram os que me ajudaram a resolver a situação. Eles, muito diferentes daqueles do colégio, explicaram-me muitas coisas que depois ia e comprovava na internet.

 

Não partilhavam comigo a Bíblia, nem me discriminavam porque estava a desobedecer ao que nela se dizia. Eles nunca se interessaram em saber do que eu gostava e ainda menos me julgaram por isso.

 

Com eles percebi que sentia uma atração emocional por homens; entendi que queria escutar um «amo-te» de uma voz masculina; que queria apoiar-me no ombro de um homem e dar-lhe a mão.

 

Sentia que sendo gay estava a fazer aquilo que, desde pequeno, semre tinha querido ser. Porém, agora dizer a verdade à minha mãe era aquilo que me incomodava.

 

Décimo-primeiro ano

Foi num dia 31 de dezembro, pronto para entrar no 11.º ano, quando enfrentei a realidade.

 

Estava a fazer o meu cartão de desejos para o ano seguinte, que tinha quatro áreas: académica, laboral, económica e emocional.

 

Para esta última área tinha recortado um casal heterossexual com filhos e estava-os a colar quando a minha mãe se acercou de mim e me disse ao ouvido: «Deus vai dar-te aquilo que desejas e não o que estás a colar aí.»

 

Fiquei surpreendido, pensei que ela não se tinha apercebido de tantas coisas pelas quais tinha passado e do que urgentemente pedia para sair de mim.

 

Nesse dia não disse nada, mas no dia 1 de janeiro de 2011 decidi falar com ela sobre o assunto e começar a mostrar o que era.

 

Convidei a minha mãe para irmos comer um gelado e no caminho disse-lhe. Antes sequer de pronunciar a palavra «gay», ela disse-me: «Espera! Já sei o que vais dizer e somente quero dizer-te que para mim sempre serás um homem, quer gostes de mulheres ou de homens. Para mim sempre serás homem e apoio os teus gostos».

 

Ao escutar as suas palavras fiquei com lágrimas nos olhos e ela também. Abraçamo-nos em plena rua e pusemo-nos a chorar.

 

Desde esse dia que sou abertamente gay. Depois de sete anos a sê-lo, posso dizer que sobrevivi graças ao valor, à força e à vontade de mostrar ao mundo que não há uma etiqueta no que diz respeito ao amor e que os paradigmas estão concebidos para tornarem @s que são diferentes infelizes.

 

Também me ajudou a meditação. Ajudou-me porque através dela tive tempo de pensar o que quero.

 

Os meus amigos do grupo desempenharam um importante papel neste processo. Sobrevivi graças ao facto de saberem escutar, aconselhar, respeitar e tolerar. Ao facto de terem compreendido que uma pessoa nunca pode machucar alguém devido aos seus gostos.

 

Agradeço ao gozo dos meus colegas do colégio cristão, porque me fizeram mais forte; porque sem o querer ajudaram-me a explorar o que sentia desde que nasci.

 

Hoje em dia, sou cristão por escolha e penso que graças a Deus pude sair e avançar neste processo. A minha relação com ele não se encontra afetada pelo facto de eu ser gay, como sempre me disseram no colégio. Pelo contrário, sinto que se fortaleceu mais.

 

Consegui separar as pessoas e Deus. Durante muito tempo tive raiva dele devido ao que estava fazendo passar, mas acabei por perceber que não era culpa sua.

 

Por último, sobrevivi escutando e seguindo o meu interior. Não foi fácil e não o é, sempre estamos expostos às críticas e ao gozo, mas quando se é feliz nada mais importa, tudo desaparece.

 

Todos os dias digo a mim mesmo: tenho pena de ti sociedade se não gostas, mas este sou eu. Sinto muito, mas estou a seguir aquilo que arde no meu coração: ser gay!

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* DANIEL é um nome fictício que se incluiu a pedido do autor.

 

Fonte: El Tiempo.

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