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Associação RUMOS NOVOS - Católicas e Católicos LGBTQ (Portugal)

Somos católic@s LGBTQ que sentiram a necessidade de juntos fazerem comunhão, partilhando o trabalho e as reflexões das Sagradas Escrituras, caminhando em comunidade à descoberta de Deus revelado a tod@s por Jesus Cristo.

18 de Outubro, 2018

Reflexões sobre duas questões LGBT presentes no Sínodo

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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Questões referentes à temática LGBT encontram-se a ser abordadas no Sínodo dos Bispos sobre os Jovens, a Fé e o Discernimento Vocacional, atualmente a decorrer em Roma, principalmente porque os jovens de hoje estão cada vez mais interessados nas questões sobre as pessoas gays, lésbicas, bissexuais e transgénero. Para muitos jovens, as pessoas LGBT são os seus irmãos e irmãs, tios e tias, amigos e vizinhos - e, algumas vezes, eles mesmos. Isto refletiu-se no documento de trabalho do sínodo, que afirmou "Alguns jovens LGBT... desejam beneficiar de uma maior aproximação e experimentar um maior carinho por parte da Igreja."

 

Nalguns setores da igreja, isto pode ser considerado essencialmente uma preocupação "ocidental". Porém, a diversidade étnica da comunidade LGBT no ocidente, em parte porque alguns procuraram refúgio ou asilo nesta parte do mundo devido à sua sexualidade, demonstra o modo como o tratamento das pessoas LGBT é um assunto para a igreja global. Já para não mencionar que um cada vez maior número de católico espalhados pelo mundo se identifica como LGBT.

 

Em resultado disto, algumas questões acerca das pessoas LGBT estão perante os delegados ao sínodo. De acordo com os participantes, as discussões até agora têm-se centrado em duas questões, ambas sobre nomenclatura: Primeira, pode o sínodo utilizar o termo "LGBT" nos seus documentos? Segunda, pode o sínodo reconhecer que os casais gay podem constituir "família"? Como é que devemos abordar estas questões - ao mesmo tempo em que não pomos em causa o ensinamento da igreja sobre a homossexualidade e a sua oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo?

 

Primeira questão: pode o sínodo usar o termo "LGBT" nos seus documentos?

Deixem-me sugerir três razões porque "LGBT" pode ser usado nos documentos do sínodo:

  1. Chamar às pessoas LGBT o que elas pedem que lhes seja chamado faz parte do "respeito" reclamado pelo Catecismo da Igreja Católica.

    Esta pode ser a razão mais importante para utilizar o termo "LGBT". Referir-se às pessoas LGBT através do nome que a maioria usa atualmente para se referir a si próprio faz parte do "respeito" reclamado pelo Catecismo (N. 2358). Vejamos outro exemplo: o uso contemporâneo evita o termo "Preto" e, em vez dele, opta por "Afro-americano" ou "Negro", o que reflete aquilo que este grupo prefere. recusar chamar um grupo pelo nome que a maioria no grupo prefere roça a falta de respeito. Os jovens LGBT, que são frequentemente perseguidos, vítimas de bullying e "chamados nomes" estão particularmente atentos à linguagem desrespeitosa.

    Para além disso, se a igreja utiliza termos ultrapassados, desconhecidos, excessivamente clínicos ou considerados desrespeitosos ou mesmo ofensivos (como "atraídos pelo mesmo sexo" o é para a maioria das pessoas LGBT), a igreja arrisca-se a impedir um autêntico diálogo com este grupo. E se a igreja não se conseguir comprometer no diálogo, então não pode fazer teologia de forma correta - um caminho contrário ao convite do Vaticano II de ser uma igreja no mundo moderno ("Gaudium et Spes"). Deste modo, reconhecer este termo comum, em particular para os jovens LGBT, é simultaneamente respeitoso e teologicamente útil.

 

Os jovens LGBT querem sentir-se parte da igreja.

 

  1. Utilizar "católicos LGBT" inclui-os na igreja.

    Alguns têm argumentado que usar esse termo separa as pessoas LGBT do resto da igreja. Contudo, este argumento não é utilizado com outros grupos dentro da igreja. Há muitos outros grupos que são normalmente identificados por uma característica particular - católicos jovens-adultos, católicos latino-americanos, católicos idosos, pais católicos - e poucos são aqueles que sugerem que tal identificação os separa da igreja. Identifica-os simplesmente como membros constituintes do Corpo de Cristo e lembra-nos da diversidade rica no seio da igreja (1 Cor 12, 20). Em especial, os jovens LGBT querem sentir-se parte da igreja. Isto é um sinal de diversidade não de divisão.

 

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  1. Usar "católicos LGBT" não é sinónimo de aceitação de uma ideologia.

    Quando as pessoas se autodescrevem como LGBT tal não significa que considerem a sua sexualidade ou identidade como um traço dominante da sua personalidade, pelo menos não mais do que as pessoas que se referem a si próprias como "católicos italianos" ou "católicos idosos" consideram isso o traço dominante. Usar o termo não tem como significado que ser LGBT seja a parte mais importante do que essas pessoas são. No geral, o uso de um adjetivo não equivale a definir uma pessoa ou um grupo em termos de uma das suas características.

    Do mesmo modo, o termo não constitui uma declaração de apoio a uma ideologia política ou posição teológica. Por exemplo, quando um jovem se identifica como "gay" ou "lésbica", ele ou ela está simplesmente a expressar uma parte de quem é, não a fazer uma proclamação sobre temas controversos. De facto, as pessoas LGBT abarcam um amplo espetro de visões e compromissos sociais, políticos e económicos.

    Por todas estas razões, eu sugeriria que o sínodo pode utilizar o termo comumente aceite "LGBT".

 

Segunda questão: pode o sínodo reconhecer que os casais gay formam uma "família"?

 

Novamente, deixem-me sugerir três razões porque, sem desafiar as posições da igreja sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, pode fazer sentido para o sínodo usar esta nomenclatura.

 

  1. Há muitas formas de ser uma "família".

    Dada a ampla diferença cultural existente no mundo, há muitos tipos de famílias, para além da família nuclear constituída por mãe, pai e filhos. E, historicamente, também existiram diferentes tipos de família. Por exemplo, na Bíblia, as famílias surgem-nos de muitas formas e tamanhos.

    Atualmente, as famílias não são sempre formadas somente pelo casamento mas também por outros laços de amor e afinidade - por exemplo, uma mãe solteira e o seu filho; um homem divorciado e o seu filho adotivo; um casal recasado e divorciado com filhos; um casal resultante de um casamento civil com filhos; um avô, tia ou tio criando netos, sobrinhas ou sobrinhos; um tutor legal vivendo com o seu tutorado; várias gerações de adultos vivendo com irmãos e primos e uma família alargada de irmãos e irmãs cujos pais faleceram. Talvez o mais comum de todos, pelo menos no ocidente, é o número cada vez maior de crianças nascidos de casais não casados (homens e mulheres). Cada grupo, embora num enquadramento não tradicional, considerar-se-ia a si próprio como família.

    A igreja pode não aprovar algumas destas situações, mas não obstante refere-se a elas como famílias. Utiliza o termo e tem utilizado o termo no sínodo, ampla e coloquialmente. Talvez mesmo alguns dos delegados ao sínodo sejam provenientes de famílias não tradicionais, mas provavelmente referir-se-ão à sua própria "família". Também os pastores reconhecem que as famílias são bem mais complexas do que imaginamos. Neste mesmo enquadramento os casais gay podem formar famílias e são merecedores do termo.

 

Se a igreja deseja efetivamente dirigir-se ao mundo contemporâneo deve considerar usar as expressões que o mundo compreende

 

  1. Os casais gay são "famílias" quer no sentido legal quer no emocional.

    A igreja opõe-se ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Porém, cada vez mais os casais gay são reconhecidos pelas autoridades civis como famílias. Os tribunais em muitos países consideram os casais de pessoas do mesmo sexo como famílias legalmente constituídas e noutros países como possuindo affinitas (afinidade). Portanto, eles são família em sentido legal.

    Estas famílias são igualmente um lugar onde o amor está presente - no cuidar um do outro, no cuidar dos filhos, no cuidar dos pais que envelhecem, no cuidar da comunidade em geral - tal como também o está nas famílias tradicionais. Muitos casais gay também heroicamente adotam as crianças mais desfavorecidas e marginalizadas. Tais famílias fornecem uma medida de estabilidade social no mundo e auxiliam no desabrochamento da sociedade na medida em que apoiam outros na comunidade e contribuem para o bem comum.

    No geral, se a igreja deseja dirigir-se efetivamente ao mundo deve considerar usar as expressões através das quais o mundo se compreende. E, mais uma vez, se a igreja negar este facto isso pode impedir o diálogo com esses muitos tipos de famílias

 

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  1. Os casais gay têm filhos que necessitam de cuidado espiritual - enquanto membros de "famílias".

    A oposição da igreja ao casamento entre pessoas do mesmo sexo é claro. Porém, mesmo assim eles são casados sem a aprovação da igreja, os pais gay fazem muitas das outras coisas que os outros pais fazem: amam os filhos e filhas, providenciam a sua educação e lutam para que eles e elas se tornem nas pessoas que Deus deseja que eles e elas sejam.

    Desejam igualmente que os seus filhos e filhas sejam parte da igreja. Deste modo, os casais gay batizam os filhos e filhas, levam-n@s à Missa, ensinam-@s a rezar, matriculam-n@s em aulas de religião e moral, rejubilam quando estes e estas recebem os sacramentos e, acima de tudo, desejam para os filhos e filhas o tesouro das graças da igreja. Este é o fruto claro da fé, da graça de Deus em ação nos corações destes pais.

    Mesmo nas situações em que os católicos LGBT se sentiram feridos pela igreja, muitos ainda pretendem criar os filhos e filhas na fé - um sinal inconfundível da graça de Deus. Para o Corpo de Cristo esta é uma fonte poderosa de vida e é importante para a igreja reconhecer isto e afirmá-lo. Os filhos e filhas destes casais veem-se também naturalmente como parte de uma família. Argumentar de outra forma arrisca a que estas crianças e jovens se sintam excluídos da igreja.

    A família tem sido frequentemente chamada de "pequena igreja", onde os filhos e filhas ouvem falar, pela primeira vez, acerca de Deus e acerca do amor. Então, talvez a melhor razão para usar o termo "família" em relação a estes casais e aos seus filhos e filhas é a de que eles são um locus [N. T. palavra do latim, que significa “lugar”] de amor.

 

 

Autor: Pe. James Martin, SJ

Tradução: José Leote (Rumos Novos)


 

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James Martin, S.J., é editor geral da revista America, consultor do Dicastério do Vaticano para a Comunicação e autor do livro Construindo uma Ponte, sobre católicos LGBT.

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