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Associação RUMOS NOVOS - Católicas e Católicos LGBTQ (Portugal)

Somos católic@s LGBTQ que sentiram a necessidade de juntos fazerem comunhão, partilhando o trabalho e as reflexões das Sagradas Escrituras, caminhando em comunidade à descoberta de Deus revelado a tod@s por Jesus Cristo.

27 de Março, 2019

Ser um cristão ou uma cristã gay pode ser doloroso e cansativo. Mas eu recuso-me a perder a fé.

Rumos Novos - Católic@s LGBTQIA+ em Ação

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»Muitos cristãos e cristãs LGBT têm histórias desagradáveis para contar, se não piores ainda. Então por que razão nos damos ao trabalho de regressar a estes lugares e para junto de pessoas
que nos magoaram?» Fotografo: Desmond Boylan/AP

 

Eu estava recentemente a assistir a um espetáculo de comédia no Soho, quando o meu riso alto demais chamou a atenção da comediante. Uma coisa levou à outra e acabei sendo provocada afavelmente sobre a minha vida amorosa, enquanto a plateia ria.

 

Quando a minha excitação por ter falado com uma das minhas comediantes favoritas - Mae Martin, se estiverem curios@s - se tinha esfumado, apercebi-me de que alguma coisa verdadeiramente significante tinha acontecido. Tinha dito, «Tenho uma namorada» frente a uma sala cheia de pessoas sem nunca ter pensado nisso.

 

É garantido que isso não é um momento para interessar a imprensa. Afinal de contas, Mae Martin é uma artista queer. Em teoria sou uma lésbica forte e independente que não se importa com o que @s outr@s pensam. Porém, qualquer pessoa gay que já experimentou aquele bichinho da ansiedade antes de anunciar a sua condição irá compreender.

 

A cereja no topo de bolo, quando tinha 18 anos, foi fazer confidências a um padre acerca da minha sexualidade. Ele informou-me delicadamente que os meus sentimentos provinham do inferno.

 

Saí do armário há quase cinco anos e a maioria das pessoas com as quais interajo não se podiam estar mais nas tintas acerca do género da pessoa com quem estou a namorar. A minha família e amigos adoram a minha namorada e já não tenho dúvidas pessoais acerca da minha identidade sexual. Contudo, mesmo quando tenho 90% de certeza de que a pessoa com quem estou a falar me aceitará, ainda fico com aquele nó na garganta mesmo antes de dizer as palavras «gay» e «namorada» a alguém que acabei de conhecer.

 

Crescer na igreja tem desempenhado um papel importante nestas inseguranças. A cereja no topo de bolo, quando tinha 18 anos, foi fazer confidências a um padre acerca da minha sexualidade. Ele informou-me delicadamente que os meus sentimentos provinham do inferno e teve o desplante de partilhar a nossa conversa - que eu julgava ser confidencial - com toda a igreja, no domingo seguinte como parte do seu sermão sobre a «imoralidade sexual».

 

Numa outra ocasião houve um paroquiano que combinou encontrar-se comigo para irmos tomar café somente para me dizer que precisava arrepender-me e houve ainda o amigo que, no Natal, me trouxe um livro sobre «terapia de conversão». E podia continuar.

 

A maioria dos cristãos e cristãs LGBT com @s quais me tenho cruzado têm histórias similares para contar, se não piores. Então por que nos incomodamos a regressar a esses lugares e pessoas que nos magoaram? A resposta simples é que ainda acredito num Deus de amor e ainda tenho fé de que os pontos de vista irão evoluir e as coisas melhorarão.

 

Não espero necessariamente que os não cristãos e as não cristãs compreendam isto. Muitas pessoas LGBT têm sido magoadas pela igreja. Painéis de «Vão para o inferno» podem ver-se nas paradas gays, as «terapias de conversão» e alguns políticos não têm dado uma boa reputação dos cristãos e das cristãs junto da comunidade LGBT. Durante a minha licenciatura basicamente deixei de ir à igreja porque parecia que todos os cristãos e as cristãs eram evangélicos anti-gay empedernid@s.

 

Há um tempo e um lugar para aquilo a que chamo «ativista que vai à igreja»: ir a uma igreja onde sabes que não serás aceite somente para lhes lembrar que os católicos e as católicas LGBT existem. Eu posso trabalhar a resistência para fazer isso de vez em quando, mas pode ser incrivelmente esgotante colocarmo-nos constantemente num ambiente onde verdadeiramente não somos bem-vind@s.

 

Na maior parte do tempo, contudo, a única forma de navegarmos pelo mundo como um cristão ou uma cristã LGBT é encontrar apoio. Ser parte de grupos como a Rumos Novos - Católicas e Católicos LGBT mostrou-me que havia um futuro para pessoas como eu. Conhecer cristãos e cristãs que estão felizes em relacionamentos do mesmo sexo - alguns mesmo casados e com filhos - mostrou-me que o modelo do matrimónio cristão que me foi matraqueado durante toda a minha infância não era a única opção. Agora, a minha namorada e eu vamos a uma igreja em Londres que acolhe as pessoas LGBT onde, pela primeira vez em muito tempo, me sinto acolhida.

 

Quem me dera poder prometer que as pessoas LGBT seriam aceites se fossem a uma igreja. Contudo muitos cristãos e cristãs têm ainda um longo caminho pela frente antes de puderem viver verdadeiramente o «amar o próximo como a ti mesmo.

 

Contudo, aceitação e tolerância precisa de ser de ambos os lados.  Um relatório do ano passado da Stonewall mostrou que um em cada dez cristãos e cristãs LGBT sentiram discriminação devido à sua fé originada na comunidade LGBT. Isto pode ir desde a criação de uma atmosfera na qual é vergonhoso admitir-se que se é uma pessoa de fé, passar pela agressão direta até às perguntas insistentes sobre aquilo em que acreditamos ou não.

 

Compreendo-o - muitas pessoas LGBT têm razão para não gostar dos cristãos e das cristãs, mas temos de parar de afastar as pessoas somente porque elas não encaixam numa determinada caixa. Temos de tentar compreender as nossas diferenças e, mesmo assim, estar juntos em solidariedade.

 

A comunidade LGBT fá-lo, algumas vezes, de forma errada, mas quando o fazemos da maneira certa representamos uma abordagem radical, incondicional e sem julgamentos ao amor. E não é exatamente isso que a Igreja proclama promover?

 

Fonte: The Guardian